PRIMEIRA GERAÇÃO
Os
estruturalistas e esteticistas não aceitam, mas, em verdade, os acontecimentos políticos e literários se entrelaçam na tessitura
da realidade social e histórica.
Dois
fatos importantes da história política do Piauí marcaram a vida dos piauienses,
a julgar pela quantidade de livros, ensaios e notícias a respeito: a Batalha do
Jenipapo (1823) e a transferência da capital da Província de Oeiras para
Teresina (1852).
Com
o primeiro, houve o despertar da consciência de que a Província era uma
entidade, um lugar e uma instituição social e política que devia ser preservada
e amada.
Com
o segundo, houve o deslocamento do centro político para sítio mais acessível às
informações da Corte, além do melhoramento comercial através da navegação no
rio Parnaíba.
Não sendo piauiense,
Tomás Joaquim Pereira Valente, Conde de Rio Pardo, governava o Piauí nos anos
de
Oeiras, do Piauí, a capital,
Em estéril terreno edificada
E de montes agrestes
rodeada,
Nada agradável tem o seu local.
Noite
e dia o calor é infernal;
Água boa; sofrível a
qualhada;
Muitas vezes a carne é
enfezada;
O médico e a botica, nada
mal.
Só é bom o relógio da matriz!
Só é grande a barriga do
Caminha!
E digno de um museu certo
nariz...
Por meu mal cá me trouxe a sorte minha;
E aqui, para não ser tão
infeliz,
Amigos encontrei mais do que tinha!
Desde o começo, como
foi visto, o autor mistura crítica com elogios desordenadamente, e assim o
soneto prossegue sem coerência, sem adquirir unidade. Trata-se, é claro, de uma
brincadeira Mas ficou no folclore e na
história cultural do Piauí.
Os acontecimentos
mencionados fazem parte do amadurecimento, da tomada de consciência desse homem
isoladíssimo que era o piauiense, encaminhando-o a enfrentar a vida e o
progresso que regurgitavam lá fora, no mundo circunvizinho.
Literatura
em seu sentido histórico-social é obra coletiva, integra-se a uma comunidade, estado
ou país. Comunica emoções e sentimentos
através das criações simbólicas de seus
criadores. Um autor sozinho, por melhor que seja, não constitui uma
literatura. É preciso que haja mais vontades possibilitando a convivência e a
comunicação literária. João Cabral de Melo Neto já o disse de outra forma: “Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos.”
Sem
escolas, associações, imprensa e outros incentivos, exceto jornais de cunho
político ou oficial como foi referido, por que, então, falar em literatura, na
sua forma geral, teórica, na época
de Leonardo Castelo Branco, no
tempo de Ovídio Saraiva?
A primeira
geração da literatura do Piauí só pode ser estudada organicamente a partir
dos anos 1860, prosseguindo por todo o século XIX. Seus representantes máximos fazem
uma poesia romântica e popular,
nascida quase espontaneamente. São eles, na poesia: José Coriolano de Sousa Lima (O
Touro Fusco, 1859), Licurgo de Paiva (Flores da Noite, 1866), Luísa Amélia
de Queiroz Brandão (Flores Incultas, 1875), José
Manuel de Freitas e David Moreira Caldas (embora não hajam publicado
livros), Hermínio Castelo Branco (Lira
Sertaneja, 1887), Teodoro de Carvalho e Silva Castelo Branco
(A Harpa do Caçador, 1884) e Taumaturgo Vaz (Cantigas
do Brasil, 1900).
A
geração de J. Coriolano firma-se após a mudança da Capital de Oeiras para
Teresina e, conseqüentemente, o estabelecimento de uma imprensa constante e a
comunicação com os centros mais adiantados como Recife, Bahia, além da Capital
do Império. É quando se fundam as primeiras associações literárias, sendo que a
mais antiga foi Recreio Literário, em
1875, seguida da Sociedade Minerva Literária, em 1884.
J. CORIOLANO
José Coriolano de Sousa Lima (1829 – 1869),
magistrado, jornalista, poeta e prosador.
Como escritor adotou o nome literário de J. Coriolano. Publicava nos
jornais e revistas de seu tempo, desde a época de estudante em Recife, onde se
bacharelou em 1859. Em 1856, em Recife, publica o folheto-poema denominado “O Touro Fusco”. Consta que publicou,
em prosa, os seguintes trabalhos: “O Casamento e a Mortalha no Céu se
Talha”, “Frei José de Santa Rita
Durão”, “A Marília de Dirceu”, “O Suicídio”, “O Homem é Bom ou Mau Segundo a
Educação que Recebe”, “O Papa é Infalível na Canonização dos Santos”, “O Sr. F. Muniz Barreto – como Poeta” e “A
Liberdade de Imprensa”.
Duas vezes eleito
deputado à Assembléia Provincial, legislaturas de
Antológico é O
Touro Fusco, seu primeiro grande
poema:
Canto Primeiro
I
Não vou cantar heróis, nem
esses feitos
Que adornam os anais da humanidade;
Nem incensos queimar, nem
render preitos
À precária e terrena
potestade:
A um bruto vão ser meus
versos feitos,
Pois que aos brutos deu vida
a Divindade;
E eu, louvando do bruto o fino
instinto,
Mais amor e respeito por
Deus sinto.
II
Ó minha doce infância
suspirada,
Que o tempo estragador levou
consigo;
Terna lembrança dessa vida
amada,
Que há de sempre viver,
morrer comigo;
Campos em que brinquei, onde
fadada
A vida me corria sem perigo,
Fazei que, embora pobre, o
meu assunto
Seja do meu sentir fiel transunto.
III
No belo Crateús, sertão famoso,
Obra sublime do Supremo
Artista,
Num terreno coberto de mimoso,
Está sita a fazenda Boa Vista;
Do Príncipe Imperial, bravo
e rixoso,
Vila do Piauí seis léguas
dista - :
Aí, num massapê torrado e brusco,
Nasceu o valoroso Touro Fusco.
Com toda a força do
seu estro, J. Coriolano prossegue a epopéia em 3 cantos, cada um com 17 oitavas
reais, totalizando 408 versos decassílabos, cujo poema terá essa apreciação do
nosso crítico João C. da RochaCabral:
“J. Coriolano cantou como ninguém mais, com tanta
doçura e entusiasmo, simplicidade e heroísmo, alma religiosa e olhar panteísta, a expressão própria do seu povo. O
Touro Fusco é um poemeto que ainda não teve igual em
nenhuma literatura, pela audácia de cantar
em versos heróicos a estória de um novilho famoso, que luta e morre como
herói, e nos deixa saudades como as figuras humanas ou semidivinas de uma
epopéia homérica ou virgiliana.”
E também canta liricamente no poema
O Catingueiro:
Nasci e criei-me nas vastas
catingas,
Nas selvas umbrosas do meu
Piauí;
Não gosto das praças, seus
usos detesto,
Que males e dores não
sofrem-se aí!
Ditoso me julgo, tocando a
viola,
Cantando os amores que temos
aqui.
Eu vivo contente de ser catingueiro,
Da caça, da pesca, das frutas
rendeiro.
Voltando da roça, nas horas douradas,
Sentidas que a rola diz –
fogo apagou,
Vi uma donzela risonha,
formosa,
Que amor em meu peito pra
sempre plantou.
Pedi-a, ma deram, casei-me
com ela,
E
Deus nosso leito de amor fecundou.
.................................................................
Nasci e criei-me nas bastas
catingas,
Frondentes, sombrosas, do
meu Piauí;
Não gosto das praças, seus
usos detesto,
Que males e dores não sofrem-se
aí!
Ditoso me julgo, tocando a
viola,
Cantando os primores que
temos aqui.
Ou então é o
delicado e romanticamente primoroso cantor de «Só um Anjo Será»:
A flor que melindrosa se baloiça
No melindroso, delicado pé,
Não é como meu bem tão
melindrosa,
Não é, não é, não
é!
A aurora que o levante
purpureia,
Que os horizontes colorindo
vem,
Não tem aquelas lindas,
róseas faces,
Não tem, não tem,
não tem!
A
brisa que sussurra nas palmeiras
É doce quando a tarde em
calma está;
Mas voz tão maviosa quanto a
dela
Não há, não há,
não há!
A
flauta que desoras suspirando
Quebra da noite a plácida
solidão,
Não é como seu canto, direi
sempre
Que não, que não,
que não!
Se
alguma virgem bela ataviou-se
Para mais realçar o todo
seu,
Esse todo o meu bem, sem
atavios,
Venceu, venceu, venceu!
Sua alma e coração são
compassivos,
Ela tem o candor de um serafim,
É, sim, a minha amada, um
tipo de anjo;
É sim, é sim, é
sim!
Só um anjo de Deus, dos céus
baixado,
Que à celeste mansão
remontará,
Será como o meu bem perfeito
e puro,
Será, será, será!
José Coriolano de Sousa Lima nasceu
David
Moreira Caldas (1836 – 1872) foi o crítico da época. Mas não só crítico:
poeta, professor, geógrafo, político e jornalista, cognominado o
“Profeta da República”. Em l869 lançou o seu
primeiro jornal O Amigo do Povo, onde previa o ano da proclamação da Républica,
no famoso artigo Oitenta e Nove. Além da produção jornalística, deixou as
seguintes obras, nenhuma reeditada até então: Estudos sobre o Delta do Parnaíba, Cartas Geográficas, Propagandista Desconhecido e Dicionário Histórico Geográfico do Piauí. O
insuspeito histtoriador Mons. Joaquim Chaves comentaria numa de suas obras: “Estrela de primeira grandeza entre os
vultos piauienses do passado é, sem dúvida alguma, Davi Moreira Caldas”.
J. Coriolano, com o respaldo crítico de
David Caldas, tem a glória de ser o primeiro poeta piauiense citado a nível
nacional. Sílvio Romero, em sua monumental
História da Literatura Brasileira, 1888,
cita-o quatro vezes, ao lado de poetas como Juvenal Galeno e Fagundes Varela,
da terceira geração romântica.
LICURGO DE PAIVA
Licurgo de Paiva (1844-1887) publicou,
em Recife, com prefácio de Tobias
Barreto, o livro Flores da Noite, em
1866. Segundo Clodoaldo Freitas, trata-se de um poeta sem muita originalidade,
que seguia as pegadas de Varela, tornando-se depois condoreiro. Poemas como “Dina” e “Consequências do Baile”
merecem ser lidos pelos piauienses. Aqui vai um excerto do último:
Virgens
ditosas, que folgais no baile,
Aves mimosas, que adejais
aí;
Tomai cuidado no librar das
asas,
Mirai-vos todas neste
espelho aqui.
Tomai cuidado! Ao retornelo
ardente
Pulsa
no seio um coração d’amor;
E se um suspiro se pressente
e anima,
Adeus da virgem – decantada
flor!
.....................................................
Vede esta fronte que o pesar
sombreia?
Vede este seio que o
martírio encerra?
Pois desta altura resvalaram
flores,
Lírios que nunca hão de
brotar da terra!
Neste deserto, neste vácuo
imenso,
Hoje pejado de miséria só,
Dos sentimentos o mais nobre
e puro
Degenerou-se em aridez e pó!
Olhai, donzelas, o futuro é
longe,
Da terra ao céu a imensidade
vai:
Tomai cuidado, que o prazer
do baile
É como a dor que se desfaz
n’um ai!
Dançai, folgai que a
mocidade é como
A flor do prado que bafeja a
brisa;
Não só de orvalho, de calor,
de sombra,
Mas
de cultivo na soidão precisa!
Vede
este quadro! Não sou moça e bela?
E
todavia me definho em vida!
É que
me falta dum cultor o esmero,
Neste
desterro a divagar perdida!
OUTROS POETAS
Hermínio Castelo Branco (1851-1889),
também simples, porém mais agreste que seu tio Teodoro, abre a Lira Sertaneja, o livro de poesia
piauiense mais editado, cujos poemas popularíssimos são decorados e declamados
pelo Piauí inteiro e mais além, com o poema “O Vaqueiro do Piauí”:
Eu sou rude sertanejo:
Só falo a língua das selvas
Onde impera a natureza.
Não sei fazer epopéias,
Não entendo de poemas,
Nem choramingo pobreza.
Não
canto glórias da pátria,
Nem o feito dos heróis,
Nem os perdidos amores;
Nem sei se o mundo se alonga
Além das raias que vejo,
Nesta campinas de flores.
Porém quero, em tosca frase,
Com singela liberdade,
Sem floreios nem mentira,
Entoar selvagem canto,
Inspirado na viola,
Em vez de dourada lira.
E quem não for sertanejo,
E queira compreender
A beleza de expressão,
Consulte dicionários
Da língua chã, verdadeira,
Do homem cá do sertão.
§
Era no mês da mutuca:
Fins d’água vinham chegando,
Quando o gado sai da mata
Na carreira, esc’ramuçando,
Se deram estas façanhas
Que eu por aqui vou contando.
Nesse tempo dos prazeres
Do diligente vaqueiro,
Quando ferra suas sortes,
Caso parta do chiqueiro,
E se o dono da fazenda
Não é sujeito estradeiro.
Avisei a vaqueirama
Toda daquelas beradas,
Para me dar uma ajuda
De campo nas vaquejadas.
Entre nós, esses convites
São de alianças sagradas.
Tudo ficou prevenido
Para um dia, terça-feira,
Pois a segunda é das almas,
Nunca foi de brincadeira...
Não se deve campear
Nenhuma rês de bicheira...
.............................................
Teodoro
de Carvalho e Silva Castelo Branco (1829-1901), o «Poeta Caçador», mais simples e mais triste, começou a poetar
muito tarde, depois que voltou da Guerra do Paraguai. Segundo Petrarca Sá,
Teodoro é “espontâneo, de rima fácil e sem artifício e de ritmo fluente, mavioso
e de grande sonoridade”. De Harpa
do Caçador, 1884, seu único livro, extraímos versos que bem o identificam.:
Os
simples prazeres que outrora cantavas,
Da vida campestre, singela e
ditosa,
Já hoje desprezas; entoas
teus hinos
À vil sociedade,
corrupta, vaidosa!
O
mundo iludiu-te! Do mundo só cuidas!
A ele somente diriges teus
cantos!...
Não vês, não conheces que o
mundo é tirano,
Que só se alimenta de mágoas
e prantos?!
Fica patente que os
primeiros escritores do Piauí foram muito ligados ao povo e à terra, e sua
literatura, numa forma singela mas esteticamente bem aceita, era pra gente que
pouco ou nada sabia ler, mas ouvia e gostava de ouvir – porque havia
pouquíssimas escolas e muitos analfabetos.
Exemplo desse tipo de poeta é José Manuel de Freitas, que não se preocupou em
publicar seus poemas além do jornal.
José Manuel de Freitas (1832-1888), poeta de
grande valor, é outro que deve figurar junto aos versejadores populares e românticos.
Ficou esquecido por não ter publicado livro. Clodoaldo Freitas encarregou-se de
tirá-lo do anonimato, quando publicou Vultos
Piauienses, 1903, onde inseriu versos como estes “A minha rede”, datados de
24 de fevereiro de 1856:
Não desejo grandezas deste mundo
E
nem do ouro jamais nutri a sede;
Minha vida cantando eu passo
alegre
Me embalando deitado em minha
rede.
Contemplo a natureza e faço
versos
Escrevendo do quarto na
parede;
Dos amores que tenho me
recordo
Quando estou me embalando em
minha rede.
Minha amante querida, oh
minha bela!
Estes versos que escrevo
agora lede:
Me lembrava de ti, de teus
encantos
Me embalando sozinho em
minha rede.
Foste sempre tão bela e tão constante!
Ouvi-me, caro bem: constante
sede!
E teu nome será meu terno
canto
Nestes versos que faço em
minha rede.
O teu peito pra mim é mais
que um trono,
Pois do ouro jamais nutri a
sede:
Assim mesmo sem ti eu passo
alegre
Me embalando deitado em
minha rede.
Convém
citar alguns mais, não tanto pelo que escreveram mas certamente pela atuação
política e social. Seriam exemplos os deputados provinciais Antônio Gentil de Sousa Mendes (1824 – 1892)
e Miguel de Sousa Borges Leal Carvalho
Castelo Branco (1836 – 1887), e o contista Arquelau de Sousa Mendes
(1872-1904), que foram também jornalistas, poetas, historiadores.
São autores, a
maioria, que não possuíam curso superior, às vezes nem estudo regular. Suas
obras caracterizam nosso primeiro período literário, com nítida preferência pela língua do povo e pela valorização da terra, de mistura com as manifestações
e tendências românticas recebidas por via intelectual, através dos jovens estudiosos
que, terminando seus cursos, voltavam para o torrão natal como médicos,
advogados, professores e padres.
Luísa Amélia de Queiroz Brandão (1838-1898), autora
de Flores Incultas, 1875, e Georgina ou os Efeitos do Amor, 1893,
numa linha bem intimista, construiu peças de bela feição: romântica, bem
ritmada, obedecendo os cânones do que já se havia tornado clássico. Sua marca é
o lirismo ‘exuberante e fluente’, especialmente nas últimas produções, tal como
neste poema de “Georgina” (2º canto),
antologiado por João Pinheiro:
Amor, mistério, divinal encanto,
Miragem, sonho, aspiração,
querer!
Vulcão ardente a derramar
incêndio,
Esfinge enorme de falaz
poder!
Tua existência que nas dores cevas,
Quem pode, aflito, denegar
jamais,
Se ao pobre ao rico, se ao
plebeu, ao nobre,
Se a todos lanças teus
grilhões fatais!
Cercam-te trevas e mortais
abismos,
E tu, ó cego, nada
vês então!
Como verias, se te falta a
um tempo
- Visão sublime – sensatez,
razão?
Aos pés fiando da mulher formosa,
Humilde e dócil qual humilde
cão,
Vês um guerreiro que no
ardor da luta
Não era homem mas audaz
leão.
Essa rainha de imortal
renome,
A bela Dido, - já não quer
viver!
Mordeu-lhe o monstro que
escarnece o cetro,
Que até a mitra quer também
morder.
Dirceu, o vate, no desterro
expira,
Marília bela se devota à
dor,
Camões distante por Natércia geme,
Vítimas todos do perverso
amor!
Menino alado, pueril
criança!
Amor, engano, aspiração
febril!
Armam-te o braço tão ferinas
setas
Com que persegues corações
aos mil!
És tudo e nada; és um
demônio, um anjo,
Otelo em fúria, sorridente
Orfeu !
Caminha! Avante! Quem te
embarga o passo
Caminha, avante, que o universo é teu!
Taumaturgo Sotero Vaz (1869 - 1921), poeta,
magistrado, professor de literatura e sociologia, morando em Manaus, membro da
Academia Amazonense de Letras, teve formação piauiense e por isto é patrono de
uma das cadeiras da Academia Piauiense de Letras. Por sua participação na
poesia de cunho mais ou menos popular, merece ser citado entre aqueles
piauienses que, no final do século, produziram uma excelente poesia. Para
exemplo, “Minha Madrinha” , colhida
Aqui
na terra, desiludido,
Tonto,
perdido,
Saio
das cinzas deste vulcão,
Para
ouvir missa na capelinha,
Lá,
onde mora Minha Madrinha,
Nossa
Senhora da Conceição!
Ao pé do nicho branco e enflorado,
Ajoelhado,
De
olhos abertos, fitos no altar,
Rezo
baixinho... Santa alegria!
Minha
Madrinha! Ave Maria!
Cheia
de Graça! Graça sem par!
Mãe
de Jesus! Flor do Carinho!
Secai os cardos do meu
caminho!
Livrai-me do Ódio da
Humanidade!
Da inveja torpe, da
iniquidade
E da traição,
Que ora andam soltos e
voejando,
Como de Corvos um negro
bando,
Sob a amplidão!
Tende Piedade, doce Rainha!
Minha Madrinha! Minha Madrinha!
Nossa Senhora da Conceição!
Olhai, ó Virgem, quantos
tormentos
Sofrem os justos! Quantos
lamentos
Soltos aos ventos!
Quanta miséria! Quanto pesar!
Cessai, ó Virgem, esta
Agonia,
Minha Madrinha! Ave Maria!
Cheia de Graça! Graça sem par!
Lá nos Palácios o oiro e o
incenso,
Risos e danças, um mundo
imenso
De luz e pompas, sedas e
aroma,
Lembrando
os velhos tempos de Roma,
A era negra da perdição!
E fora, o pranto, o frio, a fome...
Tudo o que é triste, fere e
consome
Os
pobres velhos e a criancinha!
Vinde por eles, Minha
Madrinha!
Nossa Senhora da Conceição!
De olhos abertos fico
rezando
Fora do mundo, junto do altar,
Vendo chegar
O doce bando
Das esperanças,
- Anjos formosos, meigas crianças,
Rubras centelhas
Dos céus descidos para o
Perdão!
E, como a Virgem tudo
adivinha,
Ri-se bondosa, Salve Rainha!
Cheia de Graça! Minha
Madrinha!
Nossa Senhora da Conceição!
Os autores já
citados fizeram o nosso primeiro período literário: – a geração da literatura popular, de cunho próximo ao trovadoresco,
mas com a variante dos poemas românticos em torno da libertação dos escravos e
de outros motivos mais ou menos na linha de Castro Alves, Fagundes Varela,
etc.etc.
Outros: - Lauro
Pinheiro (1882-1919), Manoel Lopes Correia Lima (1858-1929), João Alfredo de
Freitas (1862-1891), Anísio de Abreu (1868-1909), Focion Caldas (1869-1904),
Leônidas B. Mariz e Sá (1867-1902), Joaquim Nogueira Paranaguá (1855-1926),
Raimundo de Area Leão (1846-1904), Joaquim Ribeiro Gonçalves (1855-1919), João José Pinheiro (1844-1901) - fariam parte
duma segunda geração romântica
piauiense, se a classificação aqui se ativesse apenas à idade.
PROSADORES
Na prosa, Francisco Gil Castelo Branco (Ataliba, o Vaqueiro, 1878, romance regionalista),
está praticamente sozinho. Mas os primeiros ensaios no gênero conto só apareceram
com João Alfredo de Freitas (Contetos,
1883) e João Licino de Miranda Barbosa (Esmaltes,
1892)
Francisco Gil Castelo Branco (1848 -
1891), diplomata, jornalista, Cônsul Geral do Brasil em Assunção, como
prosador, embora morando longe do Piauí,
influenciaria as gerações seguintes. Começou romancista, com A
Pérola do Lodo, 1874, estilo folhetinesco, romântico, em tom humorístico; depois publicou o conto Um Figurino, no mesmo ano, ambos pelas páginas da revista
“Lux”, Rio de Janeiro. Pobreza não é Vício e Os Gansos Sociais, de 1884, comédias,
ou seja, continuando a cultivar o bom humor, foram publicadas na “Gazeta
Universal”. Contos a esmo, 1876, e Ataliba,
o Vaqueiro são publicados em
folhetins do “Diário de Notícias”, do
Rio de Janeiro, em 1878. Depois dessas publicações, só em 1880 saem, numa edição
conjunta, Ataliba, o Vaqueiro, Hermione e Abelardo, A Mulher de Ouro, aos
quais dá o nome de contos. Embora longos, eram assim chamadas as novelas
(folhetins) românticos.
Certamente
Ataliba, o Vaqueiro é a mais piauiense de suas obras. Além
disto, trata do problema da grande seca de
Francisco Gil foi corajoso e
pertinente em levar para a Corte, através da literatura, o problema da seca e a
linguagem desta região, de forma inteligente e inteligível, melhor do que as
tentativas anteriores de José do
Patrocínio e Araripe Júnior.
No extremo da província do Ceará, em terras do
Piauí, para as bandas de Marvão, passou-se esta cena.
Em linda tarde de um dos últimos dias do mês de
setembro do ano próximo findo, Terezinha estava assentada em uma laje, à beira
de um riacho cristalino, que coleava por um leito de areias e pedregulhos. Uma
grande cabaça e uma rodilha de fibras de palmeira estavam a seu lado, indicando
que viera à fonte buscar água.
Terezinha era uma morena sedutora. As
suas formas, delineando-se em modesta saia de chita, e os seios arfando sob a
alva camisa orlada de rendas, ofereciam à escultura um modelo de perfeições. As
tranças espessas, escuras e lustrosas como fios negros de seda, desciam-lhe até
a cintura de ninfa, as suas mãos de criança, conquanto algo estragadas pelo
trabalho, valiam um tesouro de rainha; os seus pés de fada perdiam-se em um
chinelozinho de capoeiro; os
seus olhos rasgados, brilhantes, transluziam as paixões que, dir-se-ia, dormiam
ainda nessa alma inocente.
Uma rosa silvestre entre as madeixas e um rosário de
contas brancas, trazendo pendente uma cruzinha de ouro, eram os únicos enfeites
que ornavam esta beleza peregrina.
As filhas do sertão são como as suas
flores campesinas; a arte não lhes realça
o valor; desabrocham e fenecem ignoradas;
mas a sua singeleza arrebata; os seus perfumes embriagam, os seus matizes
deslumbram!
Ai daquele que as viu! Jamais as pode esquecer!
São tão lindas, tão mimosas as flores
dessas campinas e as filhas desses sertões!
Assim
era Terezinha.
O sol ocultava-se, e o horizonte
resplandecente de nuvens nacaradas atraía a atenção da donzela enlevada.
Todavia, de quando em quando, ela abaixava do céu a sua vista e fitava o último
ponto da estrada, inquirindo com inquietação do aparecimento de alguém.
Um suspiro exprimia o seu desengano, e
a sua voz maviosa levava as ânsias do coração nestes versículos, entoados com
acento sentimental:
São vivas
a cores
das belas
flores
do meu
sertão!
São vivas
as dores
dos teus
amores,
meu
coração!
O dia some-se: a noite cai,
cobrindo os campos
d’escuridão...
Tudo
o repouso buscando vai...
Só tu
palpitas, meu coração!
São
vivas as cores
das
belas flores
do
meu sertão!
São
vivas as dores
dos teus amores,
meu
coração!
Bravia
arara, buscando o ninho,
Dos
seus palmares gritando vem;
Dize-me,
ó pássaro, pelo caminho
Viste,
passando, meu caro bem ?
.....................................................................
Um leve barulho fez Terezinha estremecer e,
volvendo-se para ali o semblante, deparou com Ataliba.
Ataliba era moço, tinha a figura atlética e a
fisionomia cheia de franqueza.
O seu trajar caprichoso indicava desde logo que era
um vaqueiro e enamorado.
Com efeito, as suas perneiras, o seu guarda-peito,
o seu gibão e o seu chapéu com
trancelim e borlas de fios de cor eram de finas peles de bezerro, lavradas com
esmero por hábeis mãos de mestre. Um maço de cordas de couro adunco, dobrado em
vários círculos, passava-lhe do pescoço por sob o braço esquerdo: era a sua
faixa de honra, era o famoso laço com que prendia a rês rebelde à porteira do
curral ou necessitada de algum cuidado.
O bacamarte também lhe vinha a tiracolo e via-se-lhe
à cintura uma larga faca de cabo de prata metida na bainha.
A arma de fogo e a lâmina de aço são companheiras
inseparáveis do sertanejo; são os seus instrumentos
de trabalho, de combate e de vingança!
Durante o dia, percorrendo as pastagens, com a pólvora ele derruba a
caça, à noite fere a onça – atocaia – o inimigo poderoso. Com o ferro prepara
os artefatos próprios da sua profissão, ou deslinda em duelo terrível as
contendas de momento.
São naturezas especiais as dos homens desses ermos
longínquos; implacáveis no ódio, extremados no amor, fiéis à gratidão, morrem
onde se prendem, como as lianas que se adunam às vetustas árvores das suas
florestas.
Não se dobram aos meneios dos interesses, mas
estalam fendidos pelas paixões, como os jatobás, que não se curvam ao sopro das
ventanias e caem por terra em estilhaços, partidos pelo raio. Não recuam
perante o perigo; tremem, entretanto, ouvindo história de duendes!
Empunhando a aguilhada, longa e rija vara com uma
ponta de ferro aguçada e enrolada em correias, que se denomina por isso - vara
de ferrão, Ataliba, firmando-a na laje, nela apoiava o corpo reclinado e em
êxtase contemplava Terezinha. Os seus olhos de carbúnculo chamejavam; um ar de ventura animava o seu rosto acaboclado e o
seu porte esbelto, em harmonia com o seu vestuário, dava-lhe o aspecto de
magnífica estátua fundida em bronze.
Preso com embiras, estava a seus pés um veadinho.
- Pensei que não vinha hoje! – disse-lhe Terezinha,
em tom falsete de alegria, dissimulando uma censura.
João Alfredo de Freitas (1862 – 1892), magistrado,
professor, contista e folclorista. Teve iniciação científica, chegando a
escrever sobre as formigas. Obras publicadas: Contetos, 1883, e Lendas e Superstições do Norte, 1884.
Deixou inéditos: Fetichismo Religioso e
Político, Uma Excursão pelos Domínios da Entomologia e Escorços de Etologia Entômica.
João Licino de Miranda Barbosa (1870 – 1899).
Bacharelou-se em ciências jurídicas, na Faculdade de Recife, 1896. Foi juiz no
Maranhão e no Amazonas. Colaborou em diversos jornais. Ainda estudante de
direito, escreveu e organizou Esmaltes, coleção de escritos que
denominou de contos, livro que deixou
inédito. João Pinheiro diz que um dos mais belos capítulos é “História
Triste de um Canarinho Alegre” e o transcreve. Como se trata de uma
peça longa, destaca-se aqui apenas o suficiente para sentir a sua escrita, que
até não era ruim, considerando ser as primeiras experiências de um jovem:
Inda vacilante e medroso, o canarinho pardo,
num vôo muito débil de pássaro ligeiramente emplumado, bateu as suas asitas
pardacentas e lá se foi a fender o ar erradiamente, nuns ziguezagues ligeiros
té que, estafado poisou medrosamente na moita de pilriteiros que fica na aléia
esquerda do jardim florido, espaçoso e nobre, da pitoresca vivenda do
conselheiro Arruda.
A criançada traquinas, muito viva e esperta que era,
ruidosamente a brincar, viu-o pousar, e toda pressurosa ei-la a correr alegre
numa expansão a ver se o apanhava; o canarinho pardo, assustadiço, piou e às
tontas, com o alarido das crianças, ergueu a cabecinha ainda implume, bateu as
asitas e dúbio, sem inteiramente saber livrar-se, voou atoamente e foi cair uns
dez metros adiante, no canteiro de lírios, entre as violetas perfumosas; a
criançada atenta viu-o e pressurosa pôde então apanhá-lo! O canarinho pardo
piava, piava muito, e o bando gentil de crianças, todo orgulhoso e alegre,
levou-o ao vovô, o velho conselheiro, contando com prazer e repleto de orgulho
o trabalho que lhes havia dado o apanhar o canarinho pardo.
O bom do conselheiro ficou penalizado
em vendo o passarito piando sem cessar, chamando, talvez, os seu paisitos
louros e, então, aos netinhos seus, em tom suave e manso, aconselhou soltá-lo:
deixem a avezita buscar um ninho amigo, a casa de seus pais!
Mas qual! A criançada heróica, vencedora, não quis, não
aceitou o conselho a ela dado, toda prazenteira, num alarido de pizicatos,
lá se foi a gritar chamando por Titi, a deles mais amiga, Isaurinha,
a filha querida do velho conselheiro; a
ela a criançada ufana, mui contente deu o passarito, recomendando muito: Titi, é
p’ra você, mas você trata dele p’ra quando ele for grande cantar p’ra nós
ouvir.
Disseram ao conselheiro ter dado a
Isaurinha o canarinho pardo, e a rir festivamente, voltaram prazenteiros, de
novo, p’ro jardim.
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