V
A CRÍTICA
«A crítica é a literatura em espelho, um
reverso.»
Prof. Wendel Santos
BASES TEÓRICAS
É
quase regra geral: na história das literaturas românicas tem aparecido primeiro
a poesia, depois a ficção e, por último, a crítica. A história dos países
ibéricos e a do Brasil estão de prova - e os dois exemplos nos bastam. É justificável
que assim seja. A crítica é uma linguagem segunda, funciona como «a ciência da literatura», no dizer do
Prof. Wendel Santos. Por caminhos inversos, o autor e o crítico se encontram na
obra. É ainda Wendel Santos quem nos informa que «a literatura é o lugar do desejo, o seu estatuto é o do jogo: um
movimento com fim em si mesmo.» Todavia,
completa: «não significa desligamento da
problemática humana». Ao contrário, «é
ela mesma, a literatura, a própria voz da problemática humana e, assim, não necessita ir em busca de outro fim.»
Mas,
para o entendimento formal do que seja a crítica literária, vamos à origem da
palavra. Do grego krínein, através da forma latina criticu(m), chega à atualidade com o significado de julgar,
julgamento. Até alcançar o juízo, que vem como síntese final, passa o crítico
por muitas fases. A primeira preside o namoro e a emoção da escolha da obra. O
segundo momento é o encontro através da leitura. À leitura inicial seguir-se-ão
as releituras, que podem ser inteiras ou não. Em seguida passa-se à análise, à
comparação, à avaliação e, finalmente, à criação do novo texto (artigo, ensaio,
estudo, monografia, tese etc.)
Por
participar da imaginação e das emoções da obra-referência, a crítica é obra
promíscua, ambivalente e intelectiva, de segundo grau, porém subsistente por si
mesma quando é realmente criadora. Só desta forma participa da literatura.
Esclarecimento
maior tem Massaud Moisés:
«A arte, enquanto forma de conhecimento,
apresenta dois aspectos, o factual e o intelectual. O aspecto factual diz
respeito ao ato de criar, de fazer a obra de arte. Por outro lado, toda interpretação
da obra de arte, pela palavra oral ou escrita, corresponde ao aspecto
intelectual, onde se inscreve a problemática da crítica.»
Ai
está a diferença: na linguagem das duas manifestações específicas, uma emotiva,
outra eminentemente intelectual.
Finalmente,
Wendel Santos pensa a crítica como uma «ciência-síntese»,
o que verdadeiramente é. Ele acrescenta que «a consciência crítica é sem dúvida, a consciência da humanidade, como
se fez, como se está fazendo, e como se fará; (...) diminuir a crítica,
definindo-a, imoralmente, como mera ciência da arte verbal, é fugir à
responsabilidade e à humildade.»
Se as definições acima não
são suficientes para entender a crítica e seu mister, pelo menos servem de
introdução e ajudarão muito na primeira batalha que o professor enfrentará junto aos alunos.
A CRÍTICA E AS GERAÇÕES
Antes da Academia
A literatura
piauiense quase não possui críticos, pelo menos no sentido em que foi definida
essa atividade, na sua forma atual. Justifica-se, porque também é uma
literatura pobre, embora com alguns autores fortes. Mas, em cada período
literário, se bem observarmos, temos um crítico, um historiador, ou ambas as
figuras. Cada geração que se preza tem seu historiador e seus críticos.
Numa
visada superficial, a primeira geração
não possuiu crítica literária. Colocando bem o problema, encontra-se justamente
no centro da geração dos romântico-populares
um professor e jornalista como David Moreira Caldas, de grande envergadura intelectual, que fez a
crítica literária possível na sua época, ressaltando a peça que chegou às
gerações seguintes: Introdução ao livro Impressões e Gemidos, de J. Coriolano, com data de 1870. Não se sabe de outros que tenham
feito tão bem quanto ele. De qualquer
forma, em todos os tempos e lugares, os próprios escritores também fazem a
crítica dos homens e das obras de sua própria época.
Clodoaldo
Freitas, poeta e cronista, reuniu alguma
crítica biográfica sobre os melhores literatos do período que vai de 1870 aos
anos da fundação da Academia.
Higino Cunha era
mais filósofo, historiador e jornalista do que literato. Em virtude do seu
paladar para todos as atividades culturais, fica bastante dividido e termina
sem realizar o que se chamaria uma obra de literatura especificamente, exceto
na poesia. Mas contribuiu grandemente para a elevação da sociedade, inclusive
no esclarecimento político-filosófico.
O
historiador veio depois do crítico. Quem historiou a primeira geração literária do Piauí foi João Pinheiro, com Literatura Piauiense - Escorço Histórico, editada
em 1937, ainda hoje uma obra válida como fonte de pesquisa literária e
cultural, ainda mais na segunda edição, já acrescida de um Posfácio, de autoria de Francisco Miguel de Moura, o qual, em
homenagem a Pinheiro, seguiu-lhe o mesmo
método, o que equivale a uma atualização.
Em 1938 sai o livro denominado A Vis Poética na Literatura Piauiense,
de João C. da Rocha Cabral, desenvolvido a partir de conferência realizada na
Confederação das Academias de Letras. É uma história crítica e minuciosa da
poesia do Piauí até então.
Depois da Academia
A geração
acadêmica e o cenáculo piauiense de letras tiveram no
Prof. A. Tito Filho seu crítico. Como disse noutra parte, foi ele um historiador
que se deixou frustrar por outras solicitações, inclusive dando seu tempo
integral como dirigente da Casa de Lucídio Freitas, durante
cerca de vinte anos. No geral, como no período anterior, quem fazia a crítica
literária da época eram os jornalistas ou poetas como Lucídio Freitas.
A quarta geração coincide, no tempo, com a
chamada geração perdida, quando a
crítica literária deixa de existir. O
que há é aquela tacanhice que busca no soneto apenas o pé quebrado, na prosa somente o
pronome mal colocado e o galicismo, e, no poeta em geral, o plágio deste ou daquele grande autor
nacional ou estrangeiro. Pouca literatura e muita gramatiquice. É a geração dos anos 1930.
Bugyja
Britto e Cristino Castelo Branco, poetas bissextos mas críticos argutos, demonstram interesse pela crítica
nesse período, nas conferências, nos jornais e também reunindo os estudos em livros,
posteriormente. Outros que também fizeram crítica, talvez antes daqueles: Esmaragdo de Freitas (l887-1946) com seus
artigos e estudos sobre Higino Cunha e J. Coriolano, entre outros, publicados
na imprensa e reunidos no livro Homens e
Episódios, e Matias Olímpio (1882 - 1967) que, não obstante ser Governador
do Estado, foi também o presidente da Academia Piauiense de Letras no período
de
Dentro
do mesmo espírito e época – juntamente com A. Tito Filho (nos seus
prefácios notas e apontamentos, e especialmente no livro Praça Aquidabã, sem Número, 1975)
– surge Celso Pinheiro Filho
(1914 –1974), com a História da Imprensa
no Piauí, 1973, entre outras produções anteriores. Sua crítica é
documentada e já aponta para a melhoria de padrão das obras, subindo até os
motivos estéticos. São, na realidade, os dois nomes mais importantes e
influentes na segunda geração acadêmica
como críticos.
Modernismo e Modernidade
M. Paulo Nunes
pertence à geração meridiano. Revelou-se um eficiente crítico da linha
humanista. Por dividir-se entre o magistério e os estudos pedagógicos e
literários, ainda não fez o inventário circunstanciado de sua geração, embora
nos discursos acadêmicos, entrevistas e artigos dos anos 60 e 70, inseridos em
seu livro A Geração Perdida (1979),
já tenha apontado dados relevantes.
Crítica
biográfica, filológica, estilística ou gramatical, por falta de outras
denominações melhores, foi tudo o que fizeram
as gerações anteriores, salvo a crítica impressionista, que pertence a todas as
gerações.
Talvez,
por esta razão, quando circulou Linguagem e Comunicação
Era
o começo da crítica aprofundada em livros sobre autores específicos. A
literatura no seu conjunto, como fenômeno social e cultural, ficaria para depois.
Hardi
Filho daria continuidade, publicando Poesia
e Dor no Simbolismo de Celso Pinheiro, 1974, análise, pesquisa e antologia,
em homenagem a um dos nossos grandes
poetas do passado, Celso Pinheiro.
Em
1975, entra em cena a nova crítica piauiense, com A Nova Literatura Piauiense, de Herculano Morais, visto que a velha
Literatura Piauiense - Escorço
Histórico, de João Pinheiro, editada em 1937, só tratava da geração
acadêmica e dos primórdios culturais da terra.
Herculano
Morais é o crítico por excelência da geração clipiana,
naquele livro. Em sua bibliografia contam-se
outros trabalhos que correm no mesmo sentido, como Visão Histórica da Literatura Piauiense, com várias edições, onde à
visão do crítico, junta-se a de historiador, não obstante seguindo de perto as
pegadas de João Pinheiro.
Porém
antes, nos anos 1960, J. Miguel de Matos (José Miguel de Matos), poeta
bissexto, memorialista à Humberto de Campos, porém num estilo ainda bastante
arrevesado, fez interessante levantamento crítico e de divulgação dos poetas e
da poesia piauiense, numa obra denominada Caminheiros
da Sensibilidade (2 volumes, 1966/1967),
seguida da Antologia Poética
Piauiense, 1974, além dos suas crônicas também reunidas em vários livros – as quais não deixam de
resaltar a vida literária e os poetas. Outra publicação a ser incluída é a Antologia
de Sonetos Piauienses, 1972, organizada pelo poeta Félix Ayres.
Em
1976 foi a vez de José Carlos de Santana Cruz, com seu ensaio de fôlego sobre o
Poeta da Saudade, A Continuidade Poética de Da Costa e Silva,
editada pelo a Editora Nossa, recentemente criada por Cineas Santos.
Do Rio de Janeiro,
Assis Brasil continuava mandando à imprensa artigos (depois inseridos nos seus
livros) sobre as melhores produções dos intelectuais e artistas do Estado - o
que na realidade deu muito alento aos escritores
Ultimamente, quem
vem publicando trabalhos na imprensa sobre autores e assuntos piauienses é Cunha e Silva Filho, cronista e ensaísta que,
embora residindo no Rio, onde é professor e tradutor, escreveu e publicou uma
tese de doutorado com o título Da Costa
e Silva: Uma Leitura da Saudade, 1996, e As Ideias no Tempo (crônicas, artigos, resenhas e ensaios), 2010.
A crítica universitária(ou acadêmica)
Nossa primeira universidade foi criada
em 1971 pela agregação das Faculdades já existentes (Direito e Filosofia e
Letras) e criação de outras, entre as quais a de Medicina. Por isto a crítica universitária, também chamada de acadêmica demorou a chegar. Pelo fim da década de 70 e começo dos anos 80
é que aparece essa forma de análisc e
avaliação calcada nos autores clássicos ou em modernos e desconhecidos filósofos
e linguistas. Artigos de jornais, timidamente e de raro em raro, são divulgado.
Teses começam a ser publicadas em revistas e livros. Dentre essas, a de Fabiano
de Cristo Rios Nogueira, denominada O
Mundo Degradado de Lucínio,
1985. Do mesmo ano é também um trabalho
conjunto de Maria Gomes Figueiredo dos Reis, Maria do Perpétuo Socorro Neiva
Nunes Rego, Maria do Socorro Rios Magalhães, além do Prof. Fabiano de Cristo
Rios Nogueira, todos professores da Universidade Federal, com o título Da Costa e Silva, Antologia e Estudo. Em 1998, Maria do Socorro Rios Magalhães aparece com Literatura Piauiense: Horizontes de Leitura
& Crítica (1900-1930), cuja obra desconsidera a Literatura Piauiense, 1937, de
João Pinheiro.
Outro que militou
nesse tipo de crítica foi o Prof. Carlos Evandro, nas páginas das revistas Presença e Cirandinha e nalguns jornais. Ainda
não publicou livro.
A Profª Teresinha
Queiroz, historiadora e cronista, publicou suas pesquisas em torno da vida e da
obra Higino Cunha, Clodoaldo Freitas e Lucídio Freitas, com o título de Os Literatos
e a República, 1994.
Celso Barros –
dentre os professores universitários o menos ligado ao tipo de crítica que se
faz na Universidade, exceto, é claro,
Já Wilson de Andrade
Brandão, advogado, deputado estadual várias vezes, professor e
historiador (História da
Independência no Piauí, Teresina, s/data), deu sua contribuição no terreno
da crítica, especialmente com relação à trajetória do conto piauiense.
É
desnecessário insistir na chamada crítica dos autores sobre seus companheiros,
os quais lançam mão de artigo, ensaio, crônica ou prefácio, muitas vezes
fazendo uma espécie de crítica literária totalmente impressionista mas documentalmente válida para a história da
literatura, tendo em vista que é uma prática comum a todas as gerações. Lucídio
Freitas e Zito Batista foram bons críticos literários desse tipo. Tanto eles
quanto a maioria dos poetas.
Na
geração
do CLIP, embora com uma crítica muito mais sociológica que estética,
temos Geraldo Borges, em diversos ensaios, dos quais o mais contundente e o
mais estrutural foi inserido na revista Carta
CEPRO, julho/dezembro de 1986, com o título de Notas sobre a Literatura
Piauiense: Primeira República.
Historiadores
Noutro setor mais
específico, qual seja o da busca das fontes primárias e catalogação em
dicionários, trabalham o Prof. Wilson Gonçalves (Grande Dicionário Histórico-Biográfico Piauiense, 1549-1997), 1997,
e Adrião Neto, também poeta e romancista (Dicionário
Biográfico-Escritores Piauienses de Todos os Tempos), 1995, aquele mais
dedicado às personalidades históricas, este especializando-se na parte
literária propriamente dita, como os nomes já sugerem. Em referindo a pesquisa,
outra obra básica, indispensável, quase completa, é o Dicionário Histórico e Geográfico do Estado do Piauí, 1994, de
Cláudio Bastos.
Não
se deve esquecer a produção dos historiadores propriamente ditos. Ela auxilia
os críticos. É o caso do Prof. Odilon
Nunes,
Sabemos
quanto pesa a congeminação do político com o literário, na história do Piauí.
Dentro dessa expressão, temos Luiz
Mendes Ribeiro Gonçalves, com o seu livro Impressões e Perspectivas, 1980, dedicando um capítulo inteiro à
evolução da literatura piauiense e outro à obra do historiador, cronista e
novelista William Palha Dias.
Também o Pe. Cláudio
Melo (1932-1998),
Kenard
Kruel, jornalista, pesquisador e poeta, organiza e publica livros sobre assuntos e documentos da
história de piauienses ilustres, sejam da política, sejam da literatura.
Exemplos: Víctor Gonaçalves Neto, um
Anjo Escarlate, 1998; Torquato
Neto ou a Carne Seca é Servida, 2001; Eurípedes
de Aguiar, Escritos Insurgentes;
e O. G. Rego de Carvalho – Fortuna Crítica, 2007
E, por último, é pertinente citar os nomes
de Judith Santana, historiadora (poetisa e cronista), no passado, com sua
hisória de Piripiri, 1978 e Parnaíba, 1983, e Clea Resende, também
com sua poesia, sua crônica de Piripiri e, principalmente, pelas obras À Sombra de Buganvílias e Madressilvas,
1989, e Cenáculo Piauiense de Letras –
Compromisso e Memórias, 2006.
A
novíssima geração
Trabalhos
críticos sobre as gerações mais recentes como a marginal ou do mimeógrafo,
do meado da década de 70 em diante, já começam a aparecer. É o caso de Anos 70: Por que Essa Lâmina nas Palavras, Fundação Cultural Mons Chaves, Teresina,
1993, livro de José Pereira Bezerra – o
primeiro do gênero. Louvável como ponto de partida para o registro e estudo da
continuidade do fenômeno literatura, especialmente a poesia, no que tem sido
fértil o Piauí do passado e dos últimos tempos.
Tratando
apenas de um gênero literário específico, em prosa, o Prof. Aírton Sampaio
organizou e promoveu a publicação de Geração
de 1970 no Piauí: Contos Antológicos,
2007, em cujo prefácio historia um pouco das gerações literárias em terras piauienses,
seleciona contos de José Pereira Bezerra, Austregésilo Brito, Rosa Kapila, M. de
Moura Filho, J. L. Rocha do Nascimento, João Pinto, Wellington Soares e do
próprio organizador (Airton Sampaio).
Com um mínimo de organização, pois feita com a prática dia-a-dia da
sala de aula, o inteligente e dedicado
mestre Luiz Romero Lima oferece a obra Literatura
Piauiense, sem subtítulo, já várias vezes reeditada, contemplando autores
novos: Cineas Santos, Paulo Machado,
Salgado Maranhão, Rubervan du Nascimento, Climério Ferreira, Nelson
Nunes, Airton Sampaio, William Melo Soares, Elmar Carvalho e Graça Vilhena. História
vale também como crítica.
As demais analises
ou apreciações aparecem circunstancialmente,
sem método identificável, talvez por tratar do que ainda não acabou de
acontecer, gerando indecisões. Por estas
e outras razões é que o bom cronista Roberto Carvalho, de Crônica da Vida Moderna, Teresina, 1997, ele também poeta, marcha a
passo lento na crítica de enfoque da última geração, à qual pertence.
Muito
mais considerações devem ser lançadas e discutidas em trabalhos futuros. Sem
dúvida, a novíssima geração já apresenta um bom quadro de autores e obras.
Porém, como tudo que é humano e histórico, continuará a ser refeito, por força
das novas obras e das circunstâncias da
recepção pelos leitores e pelos críticos, como bem mostra Pereira
Bezerra.
A
linha estética dessa nova geração, a bem da verdade, ainda não está definida, o
que acontece também em nível nacional. Fica difícil, então, aferir-se o
fenômeno em toda a sua extensão. Como qualquer outro, precisa de estudo comparativo
com o que acontece noutras regiões, no campo social, linguistico e estético.
Depois, como historiar e julgar o que ainda está
acontecendo? A pergunta não invalida a
expressão consagrada de que não há crítica definitiva, a todo momento a
história é refeita.
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