ANTOLOGIA DA CRÍTICA

 

                                         VI

                   ANTOLOGIA DA CRÍTICA

      Artigos e ensaios

                                                 

«A história literária e a crítica marcham passo a passo na interpretação da Literatura. As duas disciplinas não podem existir separadas, nem muito menos divorciadas e opostas.»       

 

                                                                                                          Afrânio Coutinho

 

 

                     O. G. REGO DE CARVALHO

                         INTROSPECÇÃO E  POESIA

 

                                         Vidal de Freitas

                     Poeta, critico,, autor do livro “ Contradição”, 1946.

                                                      Magistrado e professor, membro da Academia Piauense

                                                       de Letras.

 

Quando O. G. Rego de Carvalho estreou como romancistas com Ulisses entre o Amor e a Morte procurei-o imediatamente para congratular-me, como piauiense e, ainda mais, como oeirense, com o surgimento de um ficcionista que iria ser, no sentido mais decisivo, o maior romancista do Piauí, um dos maiores do Brasil.

E assim entendia, frisei-lhe, porque via nele um subjetivisa, um introspectivo, como tão raramente tem aparecido em nosso país.  Pois que é bem sabido que o grande tema do romancista é o desajustamento da personalidade ao meio, sendo o seu ponto de vista antes o da personalidade, que o do meio.  Como bem o sugeriu Gilberto Freyre, assim vem sendo nas obras de ficção desde O Asno de Ouro à Tempestade, ou desde Alain René Le Sage  (Gil Blas ou O Diabo Coxo), entre franceses, ao irlandês James Joyce (Ulysses ou Finnegan’s Wake). Mas os nossos ficcionistas, principalmente romancistas,  são objetivistas, como então acentuei a O. G. Rego de Carvalho, de tal maneira que aquelas obras têm mais de reportagem, de estudo sociológico e mesmo de tese política ou ideológica, ignorados os aspectos humanos da personalidade.

Daí o poder de apresentar a realidade de modo tão completo, como se nota, lendo Maouel Antônio  de Almeida ou Júlio Riberio; Alencar ou Mário Palmério. A gente assiste, como se estivesse presente, e com os arrepios de quem o estivesse, à surra no escravo, ou à luta com a onça; à invasão de  Antônio Silvino, no Engenho do Coronel Lula de Holanda, ou o estouro da boiada, aliás, de um jurista, ou de um sociólogo.

E isto explica muito bem porque nossa literatura jamais produziu um tipo universal, enquanto que,  em outras,  mesmo um só autor tem criado mais de um tipo, verdadeiros seres imortais, como o fez Shakespeare ou o fez Cervantes,  ficcionistas inegavelmente subjetivistas.

Quanto se não teria que dizer sobre tão interessante assunto! Porém o que se quer observar aqui é que, subjetivista como quem mais o for no Brasil, mesmo comparado com Machado de Assis e Graciliano Ramos e Amando Fontes e Raul Pompeia qualquer raro outro, O. G Rego é também poeta no sentido mais objetivo, assim no fundo como e principalmente na forma. Pois, para considerar somente seu Rio Subterrâneo, há nele versos de dez sílabas, ou sejam versos heroicos, a ponto de constituírem quartetos como este: (A Fumaça): 

 

dança ao sopro do vento, e traz até

o corredor o cheiro de resinas,

          essências e perfumes da floresta

distante que a madeira inda conserva...

 

Naturalmente não cogita de rima, pois que isto é poesia espontânea, natural, que O. G. escreve sem nem sequer em tal pensar. Não é como acontecia com Humberto de Campos, que escrevia prosa premeditadamente adstrita ao metro, ao ritmo e à rima, embora não o parecesse à primeira vista, como aquela crônica a respeito de  Camões, toda composta em redondilhas ou naquela sobre Hindemburgo, inteiramente em versos heróicos os mais burilados.

E ainda temos tercetos  como os seguintes:

 

Já me sentia tua namorada,

Tu, o primeiro amor de minha vida

E agora tu me beijas; sou feliz;

 

Os oitizeiros já não se alinhavam

formando um túnel. Respirou o alento

do rio,  que reboava adiante, oculto...

 

Sair de Oeiras, que a esperava além?

Que lhe reservaria Teresina,

grande e inóspita? Quem lá conhecia...

 

 Qual, minha filha! Esse rapaz termina

 é adoecendo. Nele qualquer coisa

 misteriosa me inspira um sentimento...

 

E assim, por todo o livro. Também pares de versos às dezenas, como:

 

O quitandeiro a custo reacendeu a

estearina: os fósforo estava úmido...

 

restituindo-lhe a serenidade que

perdera, ao sentir-se sob a chuva...

 

Outros instantes desce para o rio

e se põe a mirá-lo sem um gesto.

 

Vendo-os, Lucínio se arrepia todo,

e continua presa de ansiedade

 

Pelas recordações da avó de Helena,

prisioneira de si e do sobrado.

Gostava de sentir os seios dela

em suas mãos: carne macia e tépida

 

O rosto na penumbra era belíssimo:

tinha uma suavidade que o encantou.

 

um rabinho se move com vagar,

à procura do sol para aquecer-se

 

Pois seria um nunca acabar invocar  todos. Bem como os decassílabos isolados, como estes. Sendo que ao todo cheguei a contar cerca de oitocentos por todo o romance:

 

Muitas vezes detendo-se ante a alcova

fosse causa de novos sofrimentos

não me odeia. Bom, é louco por mim.

Sua irmã tinha o corpo adolescente.

Lucínio estremeceu só em pensar

A tortura das noites agitadas

perguntando-lhe se era infeliz a

          ele que também era infeliz.

          Qual! A noite inteirinha vai chover.

          E o rio engrossa como em vinte e seis.

 

        Bem. A copiar apenas os versos mais expressivos e bonitos, seria quase copiar o livro inteiro.

          Ora, M. Cavalcanti Proença, prefaciando uma das edições do grande livro de Euclides da Cunha, escreve parênteses para  mostrar ao leitor um traço característico de estudo euclidiano: o ritmo: “Longos dias amargos dos vaqueiros é um decassílabo perfeito, com cesura da sexta sílaba. Versos como  este são intocáveis em Os Sertões, abrindo ou encerrando períodos. Daí a impressão de poema épico que nos transmitem certos trechos”.

          E é o que acontece e tão copiosamente com o nosso romancista, de tal maneira que será sempre  com desvanecimento que o lê todo piauiense, e com justificado orgulho, todos quantos nascemos na querida Oeiras.

 

                                              Jornal  O Cometa, Oeiras – PI, agosto/1971.

 

 

                               REGINALDO MIRANDA

A HISTÓRIA É O ROMANCE QUE FOI...

 

                                                                    Oton Lustosa

                                                               Magistrado, romancista e contista.

 

Ainda nas primeiras letras do velho primário, ouvíamos falar de Domingos Jorge Velho e de Domingos Afonso Mafrense, os dois colonizadores, merecedores de todas honras da História por terem colocado no mapa do Brasil o Estado do Piauí, com esta sua estatura meio que ajoelhada, de barriga grande e cabeça pequena. Mas os livros de estudos sociais, de geografia e de história do Brasil não davam os detalhes. Vale dizer, não retratavam o modus operandi de como se dera tal façanha heróica. Custava pouco pronunciar esta verdade : o povoamento do Piauí se deu a ferro e fogo!  A propósito, para dar lugar às caiçaras do gado curraleiro, dizimaram-se todas as criaturas humanas habitantes destes sertões cortados por serras e rios, campos, caatingas e cerrados.

Mas, por que, mais tarde, já adultos e instruídos, viemos a saber de tudo isso?  Porque existem os historiadores, que escrevem a História. E a história retrata a verdade?  Anatole France, escritor francês, famoso por seu ceticismo exagerado, chega a questionar: “Existe uma história imparcial? E que é a história? A representação escrita dos acontecimentos passados. Mas que é um acontecimento? é um fato qualquer? Não! é um fato notável. Pois bem, como é que o historiador decide se um fato é notável ou não? Decide-o arbitrariamente, segundo seu gosto e seu caráter, segundo sua idéia, como um artista, enfim. Pois os fatos não se dividem por si sós em fatos históricos e não-históricos.”

Bem. Isto de questionar se a história retrata ou não a verdade é tema que vai longe.  O melhor que devemos fazer é raciocinar singelamente como um tal de Pierre Daninos, citado no Dicionário de Paulo Rónai:  Diz ele: “São os fatos do dia que fazem a história, mas são os ditos do dia seguinte que a escrevem.”  

O nosso Estado, que vem dos idos de 1662, no dia de hoje, quando se lança o livro Piauí em Foco, é passado em revista por um historiador neófito, mas com o gabarito de um expert, escrevendo a história que os fatos fizeram em nosso Piauí de antanho, desde os tempos remotos de Domingos Jorge Velho, Francisco Dias d’Ávila 2o., Domingos Afonso Sertão e outros bandeirantes; incursionando ele – o autor — por reflexões a propósito da realidade piauiense, com ênfase na história,  sociedade, economia, política e cultura até os dias contemporâneos.

Nesta manhã, Reginaldo Miranda lança o seu mais recente livro: Piauí em Foco, uma coletânea de crônicas jornalísticas que contemplam os mais variados assuntos.

Por sua determinação de historiador, já com algumas obras publicadas, tais como: Bertolínia: meio e homens; Aldeamento dos Acoroás; e uma terceira — São Gonçalo da Regeneração —, em fase de preparo. Esta última virá acrescer à historiografia do Piauí e fazer justiça ao município de Regeneração que, embora como entidade municipal só tenha alcançado emancipação política a partir de 1931, é de 26 de setembro de 1772 que data a sua fundação, com o aldeamento dos índios Acoroás, no manancial das nascentes do riacho dos Cocos, formador do rio Mulato, afluente do Parnaíba.

Este livro Piauí em Foco é fonte de inspiração para um ficcionista!  Talvez por seu conteúdo histórico. A propósito, alguém, lá da França iluminista, já bradou: “A história é o romance que foi... O romance é a história que poderia ter sido.”  Inspiração não faltaria a um ficcionista ao mentalizar as brutalidades perpetradas por um Francisco Dias d’Ávila (segundo) que, não obstante lhe corresse nas veias o sangue da velha índia Paraguaçu, matava esses seus parentes índios como quem matava insetos; para atender às suas ambições pessoais de latifundiário-mor e, também, para atender ao abastecimento de carne aos exércitos governistas do litoral que lutavam contra invasores franceses e holandeses.  Realmente, daria um enredo tragicamente fascinante! Senão vejamos: aqui, nos sertões de dentro — do rio Salitre, em Sergipe, a esta banda do rio Parnaíba —, nos pastos bons das nações Pimenteiras, Jaicós, Timbiras, Acoroás, Guegueses e muitas outras, um descendente da índia Paraguaçu matava índios para criar bois; e, ao mesmo tempo, matava bois para alimentar exércitos formados por índios, negros e brancos!  E como a guerra faz enriquecer a alguns poucos, Francisco Dias d’Ávila(segundo) fez-se dono do Brasil setentrional!  Os franceses se foram... Os holandeses se foram...  E tudo se deva aos currais e à cozinha da Casa da Torre de Tatuapara!  Que exércitos, como sacos, de barrigas vazias não se põem de pé! E assim se escreve a história do Brasil e do Piauí. Ou seria o romance

Bem. A história é o romance que foi... O romance é a história que poderia ter sido. Um bom romance não dispensa conflitos. Aliás, um romance só se faz com conflitos, e estes se fazem com fome e fartura, pobreza e riqueza, vida e morte, a cruz e a espada, o divino e o profano, o amor e o ódio, a verdade e a mentira, Deus e o Diabo.

Reginaldo Miranda, jovem advogado bem-sucedido, literato de qualidade, historiador vocacionado, parece-me que de propósito, com este seu novo livro Piauí em Foco, vem cutucar inspirações adormecidas de muitos romancistas por aí ou por aqui. Com estas suas crônicas de conteúdo lítero-histórico-político, vem mexer com este nosso Piauí velho, feito de piauiguaras, miridans, barbas-ruivas, cabeça-de-cuia e outros bichos do outro mundo; de Mandu Ladino, João Marcelino e Cacique Bruenque, valorosos homens tidos como bichos — neste mundo-cão mafrensino, de vacas de pé duro, vaqueiros de gibão, agregados de enxada e facão, pangarés suarentos e cachorrada latideira; de João do Rego Castelo Branco, Zezé Leão e outros coronéis facionorosos! Velho Piauí rico!... de Bernardo Gago, com suas curraleiras malabares... e de Lourival Parente, com seu gado pé-mole, raça de gigantes clonados!... de Leonardo das Dores, o político/poeta/guerreiro/inventor e de Alberto Silva, o simples engenheiro, que por acaso é político!... de Simplição da Parnaíba, com seus escravos cantores e o seu porto salgado; e de João Claudino, com o seu povão calorento de Teresina e os salões refrigerados do seu Shopping Center!

Piauí!...  da musa e da saudade e do protesto!... de Licurgo de Paiva, de Da Costa e Silva e de H. Dobal!

Inspirações assim nos batem ao ler este novo livro de Reginaldo Miranda — Piauí em Foco. Uma coletânea de reflexões sobre o nosso querido Estado, sua terra, sua gente, sua história, sua dor, sua ambição, sua contradição na riqueza e na pobreza, seu presente e seu futuro. Qual será o seu futuro?

 

Publicada no famoso “site” Jornal de Poesia, do escritor Soares Feitosa.

 

 

              UM SONETO DE H. DOBAL

 

                                                                 M. Paulo Nunes

                                                  Professor, crítico literário e cronista        

 

          Já me referi, mais de uma vez, às duas vertentes mais fortes da poesia de H. Dobal, a lírica e a elegíaca, que se radicam assim nas origens da poesia em língua portuguesa, segundo o julgamento de  Dom Miguel de Unamuno, num belo livro de ensaios –  Por Tierras de Portugal y de España. Segundo o mestre de Salamanca, Portugal parece a pátria dos amores tristes e dos grandes naufrágios. A essas duas vertentes, acrescentarei ainda em Dobal uma terceira, a satírica e a mordaz, presente em seu livro de motivos piauienses A Serra das Confusões, e que vem igualmente das origens mais remotas daquela poesia, ou seja, das cantigas de escárnio e maldizer, da escola provençal ou do chamado lirismo trovadoresco. Nosso poeta aí estaria também em boa companhia, qual seja a de Bocage, a do nosso Gregório de Matos, o ‘boca do inferno”, a do poeta popular Domingos Caldas Barbosa e a da prosa de Eça e de Machado de Assis, esta temperada pelo humorismo inglês à Swift e à Stern.

          A nota elegíaca vem sendo a mais constante na poesia desse aedo, para expressar, numa palavra antiga, a altitude desse grande poeta. É ela que está presente em grandes poemas como Campo Maior, O rio

 

Meu rio Parnaíba feito de lembranças

                    não corre mais entre barrancos.

                    É um fio na memória um rio esgotado

                    no recreio de muitas manhãs,

                    rio risco rio tatuado

                    na deriva de um dia perene.

 

          Este sentimento elegíaco está sobretudo presente em grandes poemas de nossa língua, como “Leonardo” e “El Matador”, no primeiro,  revivendo  a saga do herói e no outro a dor do fero carniceiro matador de índios João do Rego Castelo Branco. Está ele presente  sobretudo  em seus livros elegíacos A Cidade Substituída, a bela evocação de São Luís do Maranhão,  como nenhum poeta daquela terra foi capaz de fazer, e em seu último livro publicado Os Signos & as Siglas, um livro amargo sobre Brasília, uma daquelas fotografias doloridas na parede do poema de Drummond sobre a sua doce Itabira.

          Mas se é forte, como vimos, a presença do elegíaco, a do lírico reponta, vez por outra,  sobretudo em sonetos admiráveis como “Os Amantes” e neste que vamos transcrever no final desta nota para fruição dos leitores. Embora inédito e recém descoberto pelo escritor Cinéas Santos, e feito ainda na juventude a propósito de um concurso de poesia, tendo como fecho o mote de um soneto de Guilherme de Almeida, nele o sentimento lírico é expresso de modo mais perfeito e mais belo. Não obstante proclamar o poeta em conversa, vez por outra, que esta história de amor é com os outros, não com ele, ninguém tenha talvez melhor traduzido o encanto, a magia e a solidão dos namorados como ele neste soneto. Vale o soneto como lição, no meio da versalhada de mau gosto que vem aparecendo ultimamente:

                                                

 Os namorados

 

Esta elegia para os namorados

                    que andam em silêncio pela praça morta,

                    de passo leve, incerto como o sonho

                    a que se entregam solitariamente,                                             

 

                    é triste e breve como os namorados

                    e o seu amor da adolescência. Morta

                    toda a ternura ficará e o sonho

                    também surgindo solitariamente

 

                    que este silêncio vence os namorados,

                    como um aviso fúnebre e fatal,

                    aparecendo em meio a seus carinhos,

 

                    lembrando amor e sonho abandonados

                    e o riso frágil, rápido, irreal:

                    “tanto mais juntos quanto mais sozinhos”.                     

 

                                  Publicado no  jornal O Dia, 1º/2  de  maio de 1994.

 

                                   CHICO MIGUEL

                      AS DIVERSAS TONALIDADES DO EU

                                          

                                                           Murilo Moreira Veras

                                                                     Poeta e crítico literário

 

Será a poesia apenas a concretização do mundo num verdadeiro culto à plenitude das coisas e dos objetos, de tal ordem sob tão forte tensão emocional que coloca o eu/sujeito em função permanente com o objeto, vulgarizando o ser como centro do universo? Bem, essa parece ter sido a filosofia que vincou os chamados “concretistas”, quando se fizeram súditos do reinado do real, em poesia. Ora, ela já serviu à virulência do realismo, ascendeu ao parnaso e transfigurou-se para além do real, freqüentando o mundo do supra-humano em idealidade ultra-sensível, grotesca e macabra em O Corvo, com seu criador Edgard Allan Poe.

Hoje, exatamente no novo tempo onde o que mais sucede ainda é o inesperado, a perplexidade das mudanças, numa época do reinado absoluto das comunicações, muitas vezes sobrepostas à razão, e, por isso mesmo, de ideologização do absurdo, a poesia perde, de certo modo, suas características realísticas e surrealísticas, e já superou o mundo do concreto, para alinhar-se também ao lado da mídia, não como o único fim escatológico supremo de preservação do ser/objeto, mas como meio válido de que se vale o eu-poético para manifestar as reflexões e irreflexões sobre o mundo/objeto e se afirmar como uma crítica poemática do próprio ser no e para o mundo.

Creio que é sobre esse principal eixo que gira e vem-se polarizando a poesia, ou a “nova poesia nova” do piauiense Francisco Miguel de Moura. Se não em toda a sua obra – já considerável em seus seis livros publicados a partir de 1966, com Areias – pelo menos é o que se vislumbra neste Poemas Ou/tonais, edição de 1991, da Gráfica e Editora Júnior Ltda., Teresina – PI.

Composto de três partes, Poemas Ou/tonais, do autor de Linguagem e Comunicação e de Pedra em Sobressalto, se propõe estabelecer o diálogo poemático do eu-manifesto com a (ir)realidade do mundo cotidiano. No primeiro momento desse tempo tríptico em que se divide o “corpus” lírico, prevalece a temática do amor/paixão, espécie de introdução, em que o poeta verbaliza seu canto numa fragmentação eminentemente subjetiva.  No segundo, espécie de contraponto ou cântico do eu-rarefeito, erige-se uma estrutura, não de diálogo, mas de monólogo de eiva silogística onde as “premissas” e a própria conclusão se confundem dialeticamente em função do estilo proposicional e metafórico, de seu (con) texto disjuntivo – Ou.    Em terceiro estágio sincrônico, os Tonais dão os tons, expõem as tonalidades, e a tessitura poemática converte-se num... caminho para dentro até o fundo/ como quem caminha ao sol-posto”,  labirinto de idéias, vazões e sentimentos que fazem do eu poético um espelho por onde reflete seu mundo de sofrência interior e os resultados de sua vivência, sob a égide do refulgir lírico e o crivo literário da escritura alegórica. Reside aí o cerne do cântico trifásico da construção original de Francisco Miguel de Moura, com seu depoimento crítico, como o resultado de sua (ir)reflexão.

Acresça-se a tudo isso, o tratamento propedêutico estritamente literário que Francisco Miguel de Moura dá ao corpo verbal dos poemas, onde sobressaem a imagem, o tropo, a virtuosidade do signo e o depuramento lingüístico.

No resto, é a policromia de que se traveste a poética do autor de Universo das Águas e Quinteto em mi (m), neste seu último exemplário lírico. E diz o poeta logo no início:

 

  trovão

             trama de luz

             caminho aberto

   à chuva breve

   de lembrança (a)mar...”

 

Pois o poeta vai urdir, doravante, a trama do amor/paixão e pede:

 

           “mister amor,

           um momento, please!

           em meu favor

           vazio...

           plenitude é um pouquinho de nada

           o dia fugindo dentro da noite

           e as paredes brancas de cio.”

 

E o segredo de sua paixão eólica se revela em:

 

          “amar sem dizer-te

          ouvir sem falar-te

andar sem encontrar-te

sumir...”

 

Já em silogística disjuntiva, o poeta filosofa

 

          “eu sou o diferente

           tu és a indiferença

           não nos encontraremos a fio...”

           Sim, porque

          “um infinito flui”.

descartável

entre a água e o navio.”

 

Por final, na consumação do tempo poético (e mágico?) que estruturou nos seus “Tonais”, Francisco Miguel de Moura  reverbera:

 

          de repente

          se arma um parêntese

          entre o que quero e mereço

e o dia me despede

           de todos os desejos

de repente    sou

           o afogado que morre de sede.”

 

E a conclusão maior a que se chega desse diálogo/oblação/reflexão, é o poemeto que enfeixa a “trama de luz que nos urdiu o autor de Sonetos da  Paixão:

                  “minha busca em palavra

                    lavra meu ser

- agrava.

meu fazer em poema

escreve meu ser

- problema.

minha vida em poesia

vence meu ser

- adia.

mordo a metáfora de cada dia.”

 

 Ensaio publicado na revista Lavra, nº 7, em 1992 – Brasília-DF)

 

 

 

 

                  SUICÍDIO DO TEMPO, DE HARDI FILHO

 

                                                                                       Alcenor Candeira Filho

Professor universitário, poeta e crítico  

 

 

          A) INTRODUÇÃO

          É com muita honra que cumpro neste instante a missão de apresentar o livro – Suicídio do Tempo - , do poeta e amigo Hardi Filho.

          Por causa dos maus versos que circulam por aí, alguns imaginam ser a poesia um gênero secundário. Mas os fatos mostram exatamente o contrário, quando se trata da verdadeira poesia, da poesia que está presente, em todos os séculos, na identificação dos maiores monumentos literários da humanidade.

          As primeiras manifestações literárias de que se têm notícia apresentavam linguagem ritmada e poética.

          A Literatura Brasileira foi iniciada através da poesia do Padre José de Anchieta. A poesia predominou tranquilamente no país até o início do século XIX. Até então não havia, entre nós, a prosa de ficção, inaugurada e consolidada somente em meados do século passado, através das novelas e romances de padrão romântico. Mesmo quando se fala de prosa de ficção - romance, novela, conto - nunca se deve esquecer de que muitas páginas dessas obras estão impregnadas da mais cristalina poesia, batizada pelos teóricos de prosa poética ou de poema em prosa.

          No Brasil, a maioria das escolas  literária foram iniciadas com obras poéticas: Pré-Barroquismo (Padre José de Anchieta), Barroquismo (Bento Teixeira Pinto e Gregório de Matos), Arcadismo (Cláudio Manuel da Costa), Romantismo (Gonçalves de Magalhães), Parnasianismo (Alberto de Oliveira, Raimundo Correia e Olavo Bilac), Simbolismo (Cruz e Sousa). Em algumas dessas estéticas literárias (Arcadismo, Parnasianismo, Simbolismo) as mais importantes produções eram escritas em versos: epopéias, odes, madrigais, elegias, sonetos, éclogas, sátiras, rondós... Raras eram as obras em prosa dotadas de real mérito artístico.

          Como situar, nesse contexto, o Modernismo, escola em que se enquadra o poeta Hardi Filho e o seu livro que ora apresentamos? Sem dúvida, também no Modernismo têm predominado as manifestações poéticas. Inclusive nos seus primeiros momentos de existência, quando quase todas as atividades literárias encontravam na poesia a forma adequada de expressão.

          Implantado o Modernismo entre nós, em 1922, com a célebre Semana de Arte Moderna, passou-se então a cultuar largamente o verso livre e a poesia nacionalista, ao tempo em que se pregava um rompimento com a tradição e com o academicismo.

          Os diversos rumos tomados então pela poesia, constituindo as chamadas correntes do Modernismo (Pau-Brasil, Verde-Amarelo, Antropofagia) tinham em comum o caráter demolidor do passado, a que se juntava a pretensão de fazer uma literatura que revelasse o Brasil: uma literatura que, elaborada nos padrões de uma linguagem nacional, fosse capaz de explorar a nossa cultura, os nossos costumes, a nossa história, o nosso folclore, a nossa problemática urbana e regional.

          Uma corrente do Modernismo, entretanto, destoaria das demais - a Corrente Espiritualista ou Totalista, liderada por Cecília Meireles, Tasso da Silveira, Murilo Araújo, poetas que, embora tenham aderido à renovação estética proposta pelos modernistas, não admitiam um rompimento completo com os elos da tradição. Em verdade, os adeptos dessa corrente, com a qual, no nosso entendimento, Hardi Filho mantém grandes afinidades (para nós não é mera coincidência o fato de que o verso - «Grande aula, a do silêncio» - transcrito no início do livro Suicídio do Tempo pertença a Cecília Meireles) pretendiam uma evolução literária distanciada da ação aventureira, caótica e destruidora do primeiro modernismo, que, se de um lado produziu muita coisa de valor, de outro criou coisas ruins em que a piada, os abusos sintáticos e o coloquialismo emprestavam ao poema um caráter de subliteratura.

          B) Suicídio do Tempo

          Feitas as considerações preliminares, vamos ao que realmente importa: o livro que Hardi Filho está lançando hoje entre nós: Suicídio do Tempo.

          Trata-se de seu sexto livro de poemas (a única obra em prosa de sua lavra é um importante ensaio sobre a poesia de Celso Pinheiro: Poesia e Dor no Simbolismo de Celso Pinheiro).

          Os livros de poesia que precederam o que ora apresentamos são: - Cinzas e Orvalhos (1964);  Gruta Iluminada (1970); De Desencanto  e de Amor (1983); Teoria do Simples (1986); Cantoria (1986).

          A obra que ora temos a honra de apresentar   aos parnaibanos se compõe de quatro momentos: 1) DO AMOR SILENTE; 2) DO AMOR (IR)REVERENTE; 3) DO AMOR RESISTENTE; 4) DO AMOR SOBREVIVENTE.

          1)  DO AMOR SILENTE

          Quatro composições figuram na parte inicial da obra e nelas versos curtos se mesclam com versos médios e longos.

          Os treze blocos de versos que estão nas primeiras páginas, sob o título de “Silenciário”,  dão bem a medida da filiação do autor à Corrente Espiritualista ou Totalista, influenciada  por herdeiros do Simbolismo. E que ninguém pense tratar-se de poesia passadista. Afinal de contas, é sabido e consabido que o Simbolismo está mais presente no Modernismo do que qualquer outro estilo de época.

          Nos versos de SILENCIÁRIO, como, de resto, em quase todo o livro, está evidenciado o desprezo do poeta pelas coisas materiais, imprimindo no discurso um clima de pura espiritualidade.

          Os versos em referência, trabalhados artisticamente, mas quase sempre livres dos ritmos tradicionais, reflectem a fugacidade do tempo:

 

                    ai ai silêncios de bruma

                    ai tempo caminhador!

 

          Outro exemplo:

 

                    até quando

                    o imaginado rumo dos dias

                    com suas miragens e páginas

                    à mercê das ventanias

                    na (real?) manhã?

 

          Mais uma amostragem:

 

                    toda a via

                    é manhã  provisória

                    é tarde temporária

                    é noite passageira

 

                como madrugadecer

                de vida mente?

 

          O título do livro - por sinal muito expressivo - se justifica plenamente, porque, sem dúvida, como diz o poeta,

 

                o tempo abastece seu próprio consumo

                 e a todo momento se suicida. 

          Embora preocupado diante da transitoriedade da vida, o poeta nunca se desespera, jamais emite uma palavra de revolta, jamais se revela pessimista, até porque em nenhum momento deixa de encantar-se com as belezas do mundo:

 

                 feliz quem luta em anônimo silêncio

                 contra a brabeza dos dias, e ultrapassa-os!

                  - que mais deseja na vida

                 quem se compraz

                 com a música dos pássaros?!

 

          2) DO AMOR (IR)REVERENTE

          Poeta lírico por excelência, de forte ressonância interior, dentro aliás da melhor tradição luso-brasileira, poucos, no Piauí de hoje, cantam melhor que Hardi Filho o amor. Tomemos como exemplo o início do poema “Andarilho”, o segundo da série - DO AMOR (IR)REVERENTE:

 

                  vocês aí

                  que aprendem muitas palavras sábias

                  saibam

                  que uma só

                  simples, dita e seguida

                  na parceria caminhante dos dias

                  é bastante

                  ser o andarilho da palavra amor!

 

          A cosmovisão do autor celebra os encantos do mundo, ao tempo em que distingue a fé em Deus como o único caminho para a salvação:

               

                onde mostrar a fé?

 

                estão abertas

                bem ali no ceará

                as estradas e vias

      para canindé - vamos a pé!

 

          3) DO AMOR RESISTENTE

          Vinte e nove sonetos integram a terceira parte do livro.

          Surgido no século XIII, desde então sempre se escreveram sonetos. O soneto vem se renovando através dos séculos, não obstante os limites de seus catorze versos.

          Praticamente todos os grandes poetas escreveram sonetos, e até mesmo aqueles que um dia dele tenham debochado. No Piauí, qual o bom poeta que não sonetou?  Manuel Bandeira dizia que não considerava poeta quem nunca escreveu um soneto. Eça de Queiroz equiparava um grande soneto a um grande romance.

          Pois o nosso Hardi Filho é sonetista. Exímio sonetista. Os sonetos que compõem a terceira parte do livro atestam a veracidade da afirmativa.

          Como a esta altura da conversa impõe-se no máximo a transcrição de um soneto, optamos por “Sabor Eterno”, não por ser o melhor, que não é, mas por retomar a temática predominante do livro e que justifica o título - a temática da transitoriedade e do efêmero de tudo - vinculada à do amor, único meio disponível para se sentir o tempo nos braços da eternidade:

 

                    «O que há-de me marcar a vida, além

                    de algum poema em página amarela,

                    eu sei, será o meu amor por ela,

                    amor que sinto mais do que convém.

 

                    Tudo no mundo arruina, se esfarela,

                    acaba, quebra, esfria, vai e vem,

                    só este amor-loucura se mantém

                    com ares de vulcão e de procela.

         

                    É tão completo o amor que lhe dedico,

                    que, sendo eu pobre e sem sabença, rico

                    sempre me sinto o sábio entre os mais sábios.

 

                    E sinto mais: eu sinto que é seu beijo

                    que deixa, após calmar o meu desejo,

                    este «gosto do eterno» nos meus lábios!»

 

          4) DO AMOR SOBREVIVENTE

          Na derradeira parte do livro continua a postura predominante nas páginas anteriores: a de quem, com humildade, procura compreender as coisas como elas são, aceitando-as serenamente, sem queixumes, sem lamúrias. Escutemos alguns lotes do legado do nosso grande poeta:

 

                       deixo para outros olhos

                        o céu - infinito encanto

                        e o mar - encantado abismo

                        belezas que namorei.

 

                    deixo para outros pés

                        a areia dos caminhos

                        espinhos e pedras

                        dos chãos onde pisei.

                    ............................................

                    deixo para minha amada

                        mágoas (de amor) das quais

                        já estou perdoado

                        (por amor) eu sei.

 

                     deixo também saudade

                       - penitência sem culpa

                       a que lhe condenei.

 

          C) CONCLUSÃO

          Ao longo das 112 páginas do livro, Hardi Filho, com muita habilidade, lança mão de recursos que enchem os textos de extraordinária força musical e intensa carga emocional. Poesia se faz com palavras (a lição, todos sabem, é de Carlos Drummond de Andrade), palavras pacientemente colhidas no reino do dicionário e dispostas de tal modo na folha em branco, que passam efetivamente a produzir emoção estética no leitor.

          Em termos de recursos estilísticos, o encantamento dos versos de Hardi Filho decorre não somente da harmonia, da cadência, da aliteração, mas também da polifonia. Tudo isto, aliado às belas imagens usadas pelo poeta, confere a Suicídio do Tempo a condição de excelente livro de poesia.

          Um livro que transmite uma mensagem que faz bem à inteligência e ao coração.

 

  Publicado na Revista da Academia Piauiense de Letras, nº 50, Teresina, 1992.

 

 

 

            HECULANO MORAES: UM  POETA TELÚRICO

      

                Pedro Marques                        

Contista e crítico literário.

 

          O nordeste brasileiro é uma terra calcinada, seu povo teme a Deus e sonha dentro de um sofrimento constante que vem de dentro da própria terra e dota a todos daquele ar puro de esperança e satisfação não satisfeita: sonhos e desilusões, cujo folclore bem traduz a alma criadora de uma raça que sabe sobreviver à dureza da própria vida e das circunstâncias locais. Isso seria a nota telúrica capaz de sintetizar uma obra literária na sua íntima feição lírica e expressiva. Absolutamente, não seria isto o nosso objetivo primeiro, preferimos partir da poesia e não desta para aquela.

          Conceituar alguns elementos estéticos encontrados no livro do poeta Herculano Moraes é a obrigação da crítica especializada a fim de perceber, dentro de um sistema de análise, o íntimo da expressão em si e o sentido real que ela pode oferecer ao leitor pela sua forma de conotação variada e intensa. Parte de um paradoxo material onde o povo serve de instrumento e a natureza de pano de fundo para a compreensão de um todo, isto é, um universo incoerente e duro.

            O poeta viola, com o propósito de mais sugerir esse mundo e apanhar na seara da vida os sonhos gerais, a sistemática da linguagem comum. Usa, negativamente, o seu instrumento linguístico como compensação. Cria uma metáfora que evolui no sentido de transmitir em tudo que toca com o dedo mágico de sua imaginação aquela função poética de falar de um mundo encantado onde a dor e o sonho fazem do homem um objeto da própria natureza ingrata. Cada verso tem aquele cheiro da terra emanado, é certo, do espírito social de um povo forte.

          Este livro é bom. Essa afirmação nasce de uma leitura demorada e bem pensada. Obra cujo plano psicológico tem em cada frase o sentido completo por si mesmo, formando uma unidade no conjunto geral de sua representação. Essa característica é muito importante e releva que a crítica a observe com justiça, especialmente partindo da análise do conteúdo que se multiplica pela síntese refinada de uma forma delineada no rumo de entender o homem, sem analisá-lo dentro do seu contorno material e sim na sua mais funda realidade íntima.

          A outra parte que se nota no livro é quanto à sua forma.  Outro conjunto de palavras concretamente solidárias, possuindo uma conexão no sentido de alcançar o maior campo de entendimento e a maior força de reativação dos variáveis sentidos a que se pode dotar o verbo poético na sua unidade gramatical e na sua renovação de significado próprio.

          Outra face do livrinho Seca, Enchente, Solidão é a que diz respeito à fonia da frase. Há música em certos poemas, música essa sempre retorcida pelo grito de dor que vem da alma coletiva de seu povo.  Há entonação de cantiga e cada pausa no ritmo obedece a uma lógica motivada pela sonoridade do meio e do feitiço telúrico do poeta.

          A frase musicalizada dos poemas de Herculano Moraes possui dupla definição: encontra-se no seu sentido verbal que a palavra tem em si mesma; em outro sentido coloca-se na visão mentalizada do leitor: a conclusão a que se chega, porém, em sentido simbólico. Dizem os críticos franceses que esse duplo sentido não fica bem em poesia; discordamos quando à nossa frente temos um poeta purificado pelo ideal do bem coletivo como é o caso do poeta em causa.

          Eis o exemplo:

                       

                   O destino deste chão está comigo

                    está contigo

                    está em nós.

                   

                    Não podemos fugir para a distância

                    nem parar, feito uma pedra,

                    na estrada peregrina.

 

                    Na minha arte,

                    na tua arte

cavaremos a trincheira.

 

E a arma que estiver a nosso alcance

usaremos como a bomba de Hiroshima.

         

O poema Amar o Mar é uma canção. Carrega-se de musicalidade e o leitor parece ouvir uma música ao lê-lo, dadas as conotações existentes e já por nós observadas linhas acima. Cada palavra tem um quê de inconformação que une a verdade da vida com o sonho mastigado e doído do poeta.

          Lemos um poeta muito grande que hoje dorme para sempre, porém sua mensagem ficou na alma da terra como a maior expressão de um homem dotado de grande espírito. Ele disse que a vida era um vento e fez esses versos quase iniludíveis:

 

                    Eu sou levado

                    pelo vento malvado

                    que me transporta

                    de cá de lá

                    semelhante à

                    folha morta.

 

          Verlaine foi um dos maiores poetas da humanidade. Tinha uma verdadeira obsessão pelo substantivo e nesse sentido o poeta Herculano melhor o entenderá pela afinidade que existe entre o poeta francês e o poeta piauiense, pela concepção que ambos têm da vida.

          Há uma tristeza subterrânea nos versos de Herculano Moraes que nos arrasta inapelavelmente a entender o seu mundo pelo sentimento e não pela compreensão da lógica.

          Em 1965, mais ou menos, li o primeiro livro do poeta, denominado Murmúrios ao Vento. Época em que vivia em Teresina lendo muito e entregando cartas nas ruas, como um modesto carteiro dos Correios. Nada escrevi sobre o livro, pois apesar de muito conhecido nas rodas literárias daquela Capital, me recolhia a um silêncio constante. Lia e escrevia alguns contos que nunca cheguei a publicar, alguns deles inclusive premiados em concurso de São Paulo e Rio. Mesmo assim, tinha comigo um alto senso de autocrítica que me impedia de divulgá-los. Nessa época, vez por outra divulgava aos domingos alguns artigos de crítica sobre livros, porém nada disse sobre o livro do poeta, do que, hoje, me penitencio.

 

 Publicado no Diário D' Equipe, Cuiabá - MT, 27.08.1977, reproduzido no jornal  O Dia.

                             

  

 

 

         MAGALHÃES DA COSTA

             UM CONTISTA NOVO

 

                                                            Ozildo Batista de Barros  

                                                               Advogado, poeta e cronista                                                     

 

                                               1. A propósito de buracos

                             

          Graciliano Ramos reconhece a existência de vários buracos na Constituição do Brasil. Mas contenta-se com um, que consiste exatamente na figura do chefe político – que não é prevista na Carta Magna do país. E, no entanto, reconhece Graciliano, ninguém tem mais poder, principalmente no Nordeste, do que o Chefe Político.

          Pois Magalhães da Costa, que conhece a fundo a Constituição do Brasil e mais a fundo, ainda, conhece  a realidade do Nordeste, não encontra imagem mais adequada para o desfecho do estupro de uma menor do que um grande buraco verificado dias mais tarde às margens da rodovia e, por coincidência, no mesmo lugar em que se praticou o crime.  O conto ocupa meia página e mostra, sem dizer, toda a indiferença da sociedade para com os seus males,  a ineficácia da Justiça e, sobretudo, o grande buraco da Constituição. Mas isso é dito de outra forma, com arte, no estilo característico do Autor, e só poderá ser comprovado quando a tal história for publicada.

          Se nesse buraco do conto inédito de Magalhães da Costa tão bem se constata a figura poderosa do Chefe Político, melhor ainda, se constata a existência do buraco da Constituição quando Magalhães da Costa nos apresenta o desfecho de outro episódio, também verificado numa ‘beira de estrada’.  Nesse conto, publicado no segundo livro, Inocêncio mata à queima-roupa um desconhecido que lhe propôs ‘ou o dinheiro ou a vida’ e ruma para a casa do coronel Belarmino Jucá, ‘chefe político local, de muita influência e prestígio, a quem contou todo o sucedido, pedindo naturalmente cobertura e proteção do homem no Júri.’   Escuta do coronel primeiro palavras de admiração pelo feito e, depois, o que buscava:  - ‘Conte comigo, já ouviu? Conte comigo, já ouviu?’

          Revela-se Magalhães da Costa um grande contista, já no seu primeiro livro, Casos Contados, em 1970, que é prefaciado por Fontes Ibiapina, de quem recebe  forte influência – só e somente naquele primeiro trabalho.

          Dois anos depois publica No Mesmo Trilho,  o seu segundo livro de contos, prefaciado por Francisco Miguel de Moura, que começa por discordar do Autor pela escolha do título, que pode levar o leitor menos avisado ao falso juízo de que Magalhães da Costa continua na mesma linha de Casos Contados, ‘impressão que se desfaz completamente à leitura do primeiro conto’.

          Ou esse título, ou a publicação do terceiro livro de Magalhães da Costa que ainda não se deu, ou a pressa em se formula juízos, ou outra qualquer razão tem levado algumas pessoas a continuarem afirmando, erroneamente, a influência de Fontes Ibiapina na obra de Magalhães da Costa, o que é verdade – repito – só e tão somente no que diz respeito ao primeiro livro. No segundo e nos contos inéditos que tive a oportunidade de conhecer do Autor, comprova-se  a descoberta de um caminho próprio e uma maneira singular  de tratar dos problemas sociais do Piauí e do Nordeste, com tanta arte que o que era local ou regionalista transfigura-se no universal.

                             

   2. A propósito do social        

 

          Por ser social, o homem recebe influências do meio em que vive. Via de consequência, a arte , para ser humana e verdadeira, deve refletir a sociedade em que o artista viveu ou vive. No caso de Magalhães da Costa, sua arte reflete o Nordeste.  E não poderia ser diferente, por ser verdadeira. 

O Nordeste que levou João Cabral de Melo Neto a cantar Vida e Morte Severina  ainda vive o indicativo presente do verbo morrer:

                    ‘E se somos Severinos

                    iguais em tudo na vida,

                    morremos de morte igual,

                    mesma morte severina:

                    que é a morte de que se morre

                    de velhice antes dos trinta,

                    de emboscada antes dos vinte,

                    de fome um pouco por dia

                    (de fraqueza e de doença

                    é que a morte severina

                    ataca em qualquer idade,

                    e até gente não nascida).’

          Emboscada, fome, doença, analfabetismo, raquitismo, machismo, coronelismo (ainda?),  escravagismo (ainda?), velhice prematura são apenas palavras e expressões que não codificam plenamente o quadro humano e naturalista do Nordeste. Surge daí a arte como forma maior  de expressão desse  mundo, supermundo ou submundo chamado Nordeste do Brasil. Somente a arte em todas as formas e gêneros, exercitada por nordestinos, será capaz de fazer outros povos penetrarem o nosso mundo, façanha não conseguida em longos anos de discurso político. Pois a arte tem conseguido expressar, sem nenhum subterfúgio, a realidade nordestina e, com isto, influir na sociedade brasileira e mudar até mesmo o discurso de alguns políticos.

          E aquilo que parece folclórico, no conto de Magalhães da Costa, evolui,  se torna filosófico;  e o que devia ser apenas uma coletânea das expressões, costumes e tradições de uma época passada, de repente torna-se atual e se transforma na mais veemente forma de denúncia e protesto contra todo aquele espetáculo de miséria.

          Magalhães da Costa não perde tempo em circunlóquios e sentimentalismos.  É conciso, realista e  cru. Não quer dizer que os seres que se movimentam em seus contos sejam apenas infelizes e cruéis. Não. Isso seria  deturpar a realidade nordestina em que se fundamenta a ficção de Magalhães da Costa. O riacho das Guaribas, por exemplo, estava enchendo, em decorrência de boa chuva caída no dia anterior. Inocêncio comentava isso, feliz, com o companheiro de viagem minutos antes de ser obrigado a desferir-lhe três tiros nas costas, quando o indivíduo se revelou assaltante frio. Os disparos do revólver ‘taurus 38’, de Inocêncio, não tiram o encanto da chuva nem a beleza do riacho enchendo ou o cheiro da erva molhada. O leitor passageiro é que se deixa levar  mais pelos disparos e pelo sangue e não se apercebe do riacho e da chuva, afinal, apresentados todos com a mesma espontaneidade.  Idem nos demais contos.

          Magalhães da Costa não cozinha os casos que conta. Entrega-os crus aos seus leitores: ‘Fosse contar tudo no tintim dava um romance. Não vou não. Funcione a imaginação.’  E aí está a sua arte maior:  não castra a imaginação do autor nem ‘desinterra’ a história que narra. Não prepara o espírito das pessoas quando vai dar uma notícia boa ou ruim: debulha fatos alegres, tristes ou trágicos sem alterar o tom da voz.  Mostra disto é a página 37 do livro No Mesmo Trilho.  O irmão sente saudades da irmã e vai ao seu encontro um ano depois da separação; ouve dela que o pai ‘queria, por força, fazer a vida com a própria filha’. E conclui:  ‘ – Pai é um bruto.’   Ao final da página pede para a irmã lembrar a história do ‘Touro Azul’. Linda...  O leitor vira para a página 38 e vê  ‘pai e filho tombados cada qual para um lado, tripas de fora sujas de terra, e aquele mar vermelho de sangue, como num matadouro de boi.’

          Aparentemente há uma série de falta de razões para os derramamentos de sangue que ensopam as páginas de Casos Contados e No Mesmo Trilho.  Zeca mata a cachorra de Chico porque esta ‘dera em frequentar o roçado’ dele. Chico, por causa da matança da cachorra, sente-se desfeiteado e perde a razão de viver;  força briga com seu compadre Zeca e morre pedindo para o assassino botar a bênção nos filhinhos, ‘pela luz de seus olhos, dele, Chico, que estava se apagando naquela hora.’   Quando Inocêncio matou o ladrão,  ‘apeou-se para apanhar a carteira, com poucas cédulas dentro, guardou-a no bolso, montou outra vez na burrona...’ Por tais motivos eu não mataria o homem nem a cachorra. Você também não. Mas eles sim.  Eles matam, eles morrem. E neste ponto da questão reside a grande diferença entre os seres que habitam as páginas dos livros de Magalhães da Costa e os seres que as lêem. Habitamos mundos diferentes morando na mesma região de um país deste planeta.

          A obra de Magalhães da Costa é tão crua e chocante quanto verdadeira e encontradiça na realidade social do Nordeste do Brasil. Aqui o homem vive cheio de razões para a morte e mata e morre aparentemente a pretexto de nada, razão de nossa desgraça social: vive-se, morre-se ou se mata sem saber por quê, nem para quê. A ignorância é tamanha que o caboclo, na hora da morte, chama o compadre que lhe tirou o sangue e pede  para botar uma bênção nos filhinhos.  É desse Nordeste de senhores e escravos, de padrinho e afilhados, que nasce a miséria que Magalhães da Costa transforma em arte, que transformará o Nordeste.

 

                                       3. Moral

 

          ‘Era um ovo enorme,  azulado, bem no centro do coreto, dominando a praça toda com a força de sua presença...’

          Chega-se ao fim do conto de  Magalhães da Costa e não se encontra a moral da história.  Não há moral e nem podia haver. Nunca houve moral na história dos crimes que se praticam no Nordeste.

          Os casos não são explicados. Os réus não são condenados nem absolvidos. Minto. Afrosino trocador de animais, que deu 14 chuchadas, mais 7 de gratificação, em Vicente, o filho mais moço de sua irmã Ana do Riachão, ‘motivou o Júri a sentenciar-lhe 21 anos de xadrez, 11 dos quais já cumpridos...’

          Há também o caso de Inocêncio, que tem cobertura e proteção do coronel Berlarmino Jucá, no Júri. O Júri condena ou absolve obedecendo critérios absurdos e irracionais.

O conto em si é que não condena nem absolve ninguém, é completamente amoral. Coloca asas na imaginação do leitor, abre várias trilhas e deixa cada um seguir seu rumo. Ressuscita o mistério do ovo, símbolo com o qual MC parece querer explicar a origem de vida dos seus personagens:

‘Apanhei o ovo e joguei para o ar;  ao cair no chão espatifou-se, exalando catinga de goro: aquela célula não geraria vida alguma.

Frustrados, deixamos a praça às pressas, fungando: fum, fum, fum... Todos de lenço  e  mão no nariz. Cada um seguiu seu rumo.’

 

                    Publicado na Revista Cirandinha, nº 9, Teresina,  nov/1983.

 

 

 

                                            D. XICOTE

                 O DESVENDAR DO FAZER LITERÁRIO

 

                                                                                   Deolinda Marques

                                                                           Professora e crítica literária

 

 

Em artigo anterior (MARQUES, 2006) (1) tracei todo o percurso histórico de como me tornei leitora do poeta Francisco Miguel de Moura. Citei todos os seus livros que já li e declarei que aguardava ansiosa (como todos os seus leitores) o "tão anunciado D. Xicote".  Não imaginava eu, apesar de já ter lido todos os outros seus romances (Os Estigmas, Laços de Poder e Ternura), que realmente o tão anunciado romance merecia todos os anúncios, e muito mais!

Era quarta-feira de trevas, acabara de chegar de Picos e tinha poucas horas para arrumar minhas coisas e partir para a "Fazendinha", como chama meu irmão, onde iríamos passar a Semana Santa. Enquanto arrumava meus pertences, minha mãe me entregou um pacote, dizendo que era uma encomenda trazida pelos correios. Vi uma letra bonita com a seguinte inscrição: "Para a Profª. escritora Deolinda Marques". Fiquei surpresa pelo "escritora" e virei o envelope. "Remetente: Francisco Miguel de Moura".  Maior foi a minha surpresa, ao abrir o pacote! Era uma publicação coletiva – três romances classificados no Concurso Literário do Piauí (2), dentre eles o D. Xicote, e uma carta manuscrita do grande poeta. Meu coração exultou de alegria! Pela primeira vez na vida recebia uma carta de alguém tão importante.

O carro já estava na porta e todos esperavam apenas por mim. Joguei minhas trouxas dentro do automóvel e rumamos para Lagoa Grande. Nunca aqueles três quilômetros foram tão distantes! Só depois que cheguei lá é que pude ler a carta. Li, reli e não me contive. Corri até a casa da minha tia para partilhar aquela alegria com meu primo, que também é professor de literatura e leitor do poeta Chico Miguel. Ele também ficou encantado com tudo que viu.

Mal esperei chegar à noite para começar a ler o livro, que me encantou desde a primeira frase: "O vento e as lembranças carregaram D. Xicote para o insondável, como nos sonhos em que não se pode despertar" (p. 101). Acho que nem preciso dizer que D. Xicote foi minha única leitura naqueles dias de jejum e recolhimento.

O prazer inesperado pela publicação do livro, e por recebê-lo autografado e acompanhada de belíssima carta do próprio autor, não foi maior do que o espanto com a leitura da obra. Refiro-me à surpresa com a publicação porque tinha estado com Chico, em Francisco Santos e em Santo Antônio de Lisboa, por ocasião do lançamento da sua mais recente publicação - Miguel Guarani: Mestre e violeiro (3), e ele não havia me falado que já estivesse sendo preparada a publicação do seu próximo romance. Resumindo: tudo foi uma surpresa!

Li o livro de um fôlego! Logo no primeiro capítulo identifiquei-me com o protagonista daquela narrativa, pois me senti num espaço romanesco que também me pertence, pelas referências ao rio e ao desaparecimento dos peixes, à Fazenda Boa Vista, Bocaina, Sussuapara, Barragem... Enfim, vi retratado o "vale do Guaribas" e me senti personagem daquele romance que também é a história da minha vida e de tantos que vivem ou viveram nessa região.

O romance tem sua cena inicial no rio. Ou melhor: na Barragem que destruiu o rio Guaribas (com seus peixes e plantios de alho e cebola), influência já consagrada na obra do grande poeta. Mas não é de rio que eu quero falar. Outras águas desaguaram, fecundando a terra e fazendo prosperar uma narrativa que se constrói de forma consciente. É desse aspecto que eu quero tratar, por ter sido o que mais me chamou a atenção no romance: a metalinguagem narrativa.

Segundo Samira Chalhub (Ática, 1988) (4), "a metalinguagem, como traço que assinala a modernidade de um texto, é o desvendamento do mistério, mostrando o desempenho do emissor na luta com o código" (p.47). D. Xicote apresenta-se como um romance moderno (BARBOSA, 1990) (5), justamente pela forma como desvenda o próprio fazer literário e dessacraliza o papel do escritor, que por muitos é visto como um ser superior aos outros mortais.

Já no primeiro capítulo, o narrador revela a "vontade de escrever, preencher o tempo e encontrar-se" consigo mesmo, e expõe uma verdadeira Teoria do Romance, digna de grandes teóricos e pensadores como Georg Lukács (Lisboa, s/d) (6) e Walter Benjamin (Brasiliense, 1986) (7): "Dizem os teóricos que é com palavras que se escrevem romances, cinqüenta mil são suficientes para um, e quanto menos repeti-las melhor, mais rico o texto, mais forte, mais emocionante. Que sabem eles do romance, do conto e da novela? Nunca escreveram unzinho sequer. Romance também se faz com som e desespero. De espaços e ausências. De tempo. Da fúria da vida. Da morte" (p. 104). Essa consciência metalingüística do narrador chamou-me a atenção e, no decorrer da leitura, outras surpresas surgiram aos borbotões.

No oitavo capítulo, o narrador, além de confessar o desejo de ser um "escritor famoso" - desejo esse que é reiterado no capítulo 11 ("Quando eu for um grande escritor investigarei tudo" p. 153) - faz uma reflexão crítica e consciente sobre o papel do escritor, como profissional, e as dificuldades que ele enfrenta: "Posso fazer meus livros e vender. Publicá-los nos jornais e revistas. Tudo isso é ser escritor" (p. 138).

A partir de então, pudemos perceber que o fazer literário é uma das linhas mestras da obra, que perpassa toda narrativa como um fio condutor. Constatamos que, ao longo do romance, o narrador constrói uma verdadeira Teoria da Literatura, abordando conceitos importantes, como os de literatura ("A Literatura. É minha luz." p. 214), ficção ("Mas ficção é ficção, tem que ser inventada." p. 230), romance ("romance também se faz de som e de desespero. De espaços e ausências. De tempo. Da fúria da vida. Da morte." p. 104), tragédia ("esses elementos estão no romance e são romance, na sua forma romântica e, agora, na vertente de tragédia, pois a vida em si é a tragédia do homem." p. 262), (bom) narrador ("ela era uma boa narradora, não aumentava, não diminuía, escolhendo apenas o que era importante. A ação como principal. E os personagens. Os detalhes para depois. Se lhe interessassem.” p. 149), poesia ("A poesia, a arte de imaginar e criar". p. 248), poema ("Poemas são feitos com palavras. E belas palavras, inventadas ou não. Em cadeias de pensamentos santos e místicos fazem a música. Aliviam a alma. Às vezes atordoam. Mas, no fundo, são alimentos." p. 263), (poema e poeta) romântico ("Seus poemas eram românticos como os autores que lia. Choroso sobre seus amores, por ser um bruto sentimental"; "o romântico é um doente pelo excesso". p. 216).  Reafirmando o provérbio popular ("nos pequenos frascos se guardam os grandes perfumes"), defende ainda que os poemas curtos sejam os melhores: "Há coisa menor que um poema curto? Às vezes em dois versos contém a largueza dos horizontes, a profundidade do mar, a riqueza dos oceanos." p. 262). Percebemos também que muitos conceitos são repassados de forma indireta ou até mesmo pela negação: "Não, não é poesia, é outro negócio." P. 158; "Há quem não considere a sátira um gênero poético." (p. 216).  Além de apresentar esses conceitos, o narrador menciona os mais diversos gêneros e espécies literárias, como: conto, novela, crônica, matérias, artigos, editorial, sátira, oração, versículos, bem como faz uso consciente de vários termos do mundo da escrita, demonstrando um vasto conhecimento no campo das letras, tais como: título, redatores, manchetes, epílogo, capítulos, manuscritos, borrões, rasuras, versos, emendas, página, obra, livro, leitor, crítico, concurso literário, e tantos outros.

Ao longo do romance, o narrador, que às vezes se confunde com o próprio autor (ABDALA Jr., 1995) (8), dá uma "receita infalível" de como tornar-se um "grande escritor". Os "candidatos a escritores" têm que: a) antes de mais nada, sentir vontade de escrever; b) adquirir o hábito de conduzir papel e fazer anotações; c) gostar de ler; ler os poetas e pensadores, sobretudo, ler Freud; d) construir um projeto de escritura: "pensar o livro antes de escrever"; imaginá-lo pronto; e) ouvir bons contadores de histórias e voltar às origens para adquirir "munição", pois, para ele, a infância é a base para a criação e explicação da vida; f) escrever inicialmente só para si, compulsivamente (rascunho), depois fazer cortes, rasuras, emendas, bem como incluir citações seguras - trabalho de reescritura; g) começar pelo começo - defesa de uma narrativa linear.

Além dessas sugestões, o narrador traça todo um caminho percorrido por si próprio e por todos aqueles que se consagraram como escritores, como: a) recitar poesia, quando criança; b) estrear em jornalzinho escolar; c) participar de concursos literários; d) e, se for caso, até escrever em parceria. O narrador mostra ainda a importância do exercício da escrita (em jornais) para o crescimento profissional e até mesmo a mudança de estilo (se necessário for) até ser aceito pela crítica.  Nesse aspecto, diríamos que a teoria apresentada no romance comunga várias idéias defendidas por Affonso Romano de Sant’Anna, no seu livro Como se Faz Literatura (Vozes, 1985) (9), pois, para ambos, o fazer literário é mostrado como uma atividade de linguagem, um trabalho racional, árduo ("Escreve-o, reescreve. Nada. Não! Apaga tudo, deixa só o primeiro parágrafo. (...) Não consegue terminar a obra". p. 230), que se constrói passo a passo ("(...) anotações que seriam aproveitadas no futuro livro, ainda sem título" p. 144; "(...) Já escolhera o título – O Inocente. Sabe de onde tirara esta palavra? Da vida" p. 222), que se realiza a custo de muito esforço e sofrimento: "Boa parte do seu trabalho permanece em manuscrito, cheio de borrões, recentemente provocados pelos pingos de choro que caem, antes pela mania de lavar as mãos, e de emendas e de rasuras, estas em vista das indecisões que o seu íntimo o obriga. No fundo da gaveta." (p. 256). Nesse aspecto o romance lembra ainda a obra-prima de Autran Dourado - Uma Poética do Romance: Matéria de Carpintaria (Difel, 1976) (10), na qual ele desenvolve toda uma teoria do romance, resguardando, é claro, a originalidade de Chico Miguel, bem como a sua grande experiência como escritor.

O romance apresenta um verdadeiro tratado de Teoria Literária, revelando o vasto conhecimento e o pensamento do homem e escritor Francisco Miguel de Moura, sobretudo quando defende de forma clara e contundente a liberdade de criação, o não-modelo literário, que deve ser a marca maior e primeira de todo artista: "(...) mas estou lhe contando uma história, por isso quero ter a liberdade de inventar, de criar. E só posso fazê-lo falando assim. Pois assim é que colocarei no meu futuro livro." (p.182).

O ato criador se revela ao longo da narrativa, desvendando o fazer literário, através da consciência de que todo texto é formado por vários outros textos. Em D. Xicote, essa intertextualidade se dá pela referência a várias obras e trechos de poemas bem como pelo desejo de incluir citações, que dariam uma imponência à obra, e, até mesmo, pelo encaixamento de outros textos produzidos por ele, nessa narrativa maior, que é o romance. À medida que vai contando sua história, vai citando também as leituras feitas e/ou que está fazendo e isso mostra que o texto que produzimos, o processo de criação resulta do que ouvimos, lemos e vivemos.

Uma leitura mais atenta da obra nos faz perceber que o objetivo de Xicote não é contar a sua história de amor, ou desamor, com Amanda, mas narrar a sua trajetória como escritor, que inicia ainda no ginásio; depois como colaborador de um jornalzinho, escrevendo poesias, contos, crônicas e artigos, onde tem alguns trabalhos apreciados pelos redatores, mas também recebe duras críticas de Leo Lira a um poema considerado muito romântico. Projeta escrever um livro e, para tanto, começa a fazer anotações, escolhe um título, desenha a capa e "pensa" o livro pronto. Esse projeto transforma-se quase que numa obsessão que perpassa toda a narrativa. Os sonhos se concretizam num "escrito volumoso", cujo desejo é impressionar os julgadores, enviado para um concurso literário a nível nacional, promovido por uma entidade do Rio de Janeiro. Sendo que o resultado do concurso só sai depois que Xicote já havia falecido. Esse desfecho é também uma crítica à sociedade que, na maioria das vezes, só reconhece e valoriza o artista depois de morto. Revela também o próprio conceito de imortalidade do escritor, que é não morrer, mesmo depois de morto.  

Por outro lado, uma leitura superficial da obra pode levar o leitor a afirmar que D. Xicote é um romance de personagem (REIS e LOPES, 1988) (11), cujo enredo são as aventuras e peripécias do anti-herói Francisco Feitosa, que adota como pseudônimo artístico D. Xicote (com X). No entanto, a história de Xicote não é a narrativa central do romance. Nela encontram-se encaixadas narrativas menores, como a lenda do Morro do Quebra Pescoço, a história de Dr. Crucifon, servindo apenas de fio condutor para uma história maior, que é a construção do romance D. Xicote e o próprio fazer literário. Ou seja: a história de Xicote está dentro de uma narrativa maior que pode ser a história de vida do próprio autor - o filho de Miguel Guarani, dadas às coincidências biográficas, bem como pode ser a história de todos nós: "Quando terminar de escrever o romance das vidas que passaram por sua vida, de como sua vida passou por essas vidas, assim se expressará (...)." (p.256).

Assim sendo, diríamos que D. Xicote classifica-se como narrativa de encaixe (REIS e LOPES, 1988), uma vez que é um romance dentro de outro romance maior, que é a história de todos nós, e como meta-narrativa (REIS e LOPES, 1988), tendo em vista que o autor desvenda do próprio fazer literário. Essa classificação consciente nos é dada pelo próprio narrador: "Com sua ajuda farei um romance tecido no meio de outros romances que irão sendo entrelaçados pelas pessoas deste grande livro que é a vida. Nossa e de todos." (p. 153).

A consciência do narrador em relação ao fazer literário não se limita apenas à criação. Estende-se ao papel do leitor, com quem dialoga ("E não sei se o leitor viveria comigo essa tortura. Leitor não feche a página antes do final (...)" p. 268), e da crítica, para quem, juntamente com o leitor, é o elemento decisivo e responsável pela consagração do escritor. Daí a importância tanto de um como do outro: “Há tempos mourejava nos jornais, mas agora seus artigos e matérias eram lidos avidamente e comentadas pela população da cidade e arredores”. (...) "Poeta moderno e inovador, desde que resolveu pôr o romantismo de lado - o próprio Leo Lira afirmara, numa nota sobre as atividades da terra e seus cultores." (p. 246)

Essa consciência criadora e do próprio fazer narrativo e literário perpassa toda a obra e confere a D. Xicote um caráter de modernidade (BARBOSA, 1990), como também revela o conhecimento e a consciência, que só os grandes escritores têm, do seu próprio ofício.

Conclui-se, portanto, que o projeto de escritura, apresentado logo no início da narrativa, que perpassa todo o romance e culmina com a premiação num concurso literário a nível nacional, constitui-se uma narrativa maior cujo objetivo é desvendar o próprio fazer literário. Ou seja: é um romance explicando o próprio romance, cujo narrador e personagem central é o próprio Chico Miguel - romancista piauiense, que depois de percorrer vários caminhos (principalmente o da poesia e do conto) consagra-se como romancista. Eu diria que é neste momento que a ficção se faz realidade: D. Xicote consagra Francisco Miguel de Moura como um grande romancista moderno.

NOTAS:

Texto apresentado no V Seminário de Literatura Piauiense e II de Literatura Picoense, 11 de novembro de 2006.

 

(1) MARQUES, Deolinda Maria de Sousa. Um Rio em Chico Miguel. Teresina: Edições Cirandinha, 2006.

(2) MOURA, Francisco Miguel de. D. Xicote. In: Concursos Literários do Piauí. Teresina: Fundação Cultural do Piauí, 2005, p. 93 –270.

(3) MOURA, Francisco Miguel de. Miguel Guarani: Mestre e Violeiro. Teresina: Edições Cirandinha/FUNCOR, 2005.

(4) CHALHUB, Samira. Metalinguagem. 2ª. ed. São Paulo: Ática, 1988.

(5) BARBOSA, João Alexandre. A Modernidade do Romance. In: A Leitura do Intervalo: ensaios de crítica. São Paulo: Iluminuras, 1990.

(6)  LUKÁCS, Georg. Teoria do Romance. Lisboa: Editorial Presença, s/d.

(7) BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1985 ( Coleção "Obras Escolhidas", Vol. 1).

(8) ABDALA Jr., Benjamim. Introdução à análise da narrativa. São Paulo: Scipione, 1995. (Coleção Margens do texto).

(9) SANT’ANNA, Affonso Romano de. Como se faz Literatura. Petrópolis: Vozes, 1985.

(10) DOURADO, Autran. Uma Poética do Romance – matéria de carpintaria. Porto Alegre: Difel, 1976.

(11) REIS, Carlos e LOPES, Ana Cristina M. Dicionário de Teoria da Narrativa. São Paulo: Ática, 1988.

 

                 

Artigo publicado na revista Literatura,  nº 33, de abril de 2007, Fortaleza –C

 

 

 

                              

                            FRANCISCO MIGUEL DE MOURA

                                   EM LAÇOS DE PODER

                                                                             

 Osvaldo Monteiro

Cientista, contista e crítico

 

            Charles Baudelaire quando apresentou ao público europeu o americano Edgar Allan Poe disse do prazer bem grande e bem útil de comparar os traços fisionômicos de um grande homem com suas obras. As biografias, as notas sobre os costumes, os hábitos, o físico dos artistas e dos escritores, sempre suscitaram uma curiosidade bem legítima.

          Assim faço eu ao abordar  criatura e criador; a obra e o artista. Laços de Poder é o mais alentado romance, a obra maior em prosa do poeta e escritor  Francisco Miguel de Moura. Nas caricaturas de jornais e revistas é grande a semelhança física, inclusive os óculos pesados, de Chico Miguel com o poeta Manoel Bandeira. Mas fica por aí, a alma do autor de Laços de Poder é essencialmente drummoniana, respeitando-se as peculiaridades individuais. No mineiro há nostalgia por não ter nascido em Paris, é introvertido e arredio. Chico Miguel parece nostálgico, pessimista e infeliz. Parece apenas. Na intimidade  é um ser agradável, dócil, equilibrado e extrovertido. E mais, adora a sua piauiensidade. Ficam as semelhanças; daí pra frente Chico Miguel agiganta-se; tem  mais profundidade d'alma em comparação aos mineiros citados e só não os igualou na fama e no reconhecimento por ter se desenvolvido cá por estas bandas, sem  o adubo da mídia e do clima generoso com chuvas regulares.  Apareceu como os jenipapeiros, os pequizeiros e os cajueiros nossos. São os nativos da terra, filhos legítimos que nascem, "nunca se sabe o começo", crescem, desenvolvem-se e muito produzem  mesmo com a carência dos mimos naturais e, digamos, políticos também. Formado em Letras, Teoria e Prática, haja prática! Escritor compulsivo e leitor voraz. Modesto à franciscana, "simples como as pombas e perspicaz como as serpentes". Quando se empolga, fica meio gago sem contudo a emoção prejudicar-lhe a lucidez. Figura notável, um tanto polêmica. Sua presença, embora de pequena estatura, polariza atenções; é nome de peso da literatura piauiense, quiçá universal. Com  cerca de quinze livros publicados, afora ensaios, crônicas  e muita poesia em publicações esparsas, daria, penso eu, outros tantos volumes.

          Em Laços de Poder vejo um realismo nu e cru, mesclado com diálogos e monólogos de profundidade psicológica. O autor não está nem aí para indicar o leitor quem está falando ou monologando. Vire-se! Parece-me o mais inovador de sua escritura de altíssima envergadura. E por falar em nu, pelado, como diz a moçada atualmente, escreveu Chico Miguel este livro. Maravilha de experiência e experimentação, segredou-me D. Mécia, sua esposa.

          Já pensaram, o cara se despir física e psicologicamente para narrar uma história sem barreiras? Criação desinibida,  verdadeiros laços desatados do poder castrador.

          Não sei em que lugar das prateleiras do gênero colocar os escritos de Chico Miguel. O homem não é capturável, tem seu ritmo um tanto pessimista mas a vida é assim mesmo, só sei  que ele "queria começar antes do começo..." O polimento do texto é irreprochável, nada  encontrei que o maculasse. Fato raro numa primeira edição. Texto limpo, asseado, clean. Mesmo quando envereda pelo escatológico; a cena da galinha bicando, engolindo a “áscare”  preste a sair do menino, parece inusitada. Não pra nós nordestinos. Autêntico retrato de meninos purgados fazendo suas necessidades nos terreiros das antigas fazendas. Reporta-me ao tempo do "Tiro Seguro", vai a digressão, "não sei se ando ou desando"! Um vermífugo do mais terrível sabor que D. Madalena, minha dileta mãe, realizava anualmente na filharada.Uma colher de sopa enfiada goela abaixo da vítima e a ordem enérgica do pai: "engole, cabra"! Já vi muita galinha caipira realizando  faxina tão nobre. O tempo velozmente transmutou-se, transmutações individuais e coletivas com que nos alertam Raimundo Santana. A sociedade está mudando; é preciso pensar como ela muda, adverte Eduardo Neiva. As fazendas foram invadidas e transformaram-se em favelas, o terreiro virou play-ground de apartamentos, o galináceo enchiqueirado com energia diuturna, água de antibiótico e ração balanceada que não satisfazem o apetite. Ao cabo de um mês e pouco o pintinho virou mangangá apto ao holocausto. Os pais afrouxaram a disciplina, perderam o moral, e a gororoba de pílulas coloridas miniaturizadas e xaropes aromatizados têm sabor de morango. Uma delícia de purgativo.Só os meninos continuam meninos carregados do genoma do mau caráter. "As más recordações morrem devagar, as boas lembranças são somente boas e se apagam" filosofa Chico Miguel.

          Falei em clean para denotar o asseio da obra. Dou-me conta que talvez esteja inconscientemente me opondo ao purismo de Chico Miguel. Nele não há estrangeirismos, até a palavra "show," tão arraigada entre nós, por duas ocasiões  o autor aportuguesa "chou", que me pareceu esquisito. Seu romance tem o modelo atômico, o seu núcleo é Chico Miguel, os personagens são os eléctrons (os eus) do autor.Teve um insight à Nostradamus: há lampejos de clarividência e precognição em Laços de Poder. A cena da Igreja, do Banco e do palácio do governo afundando e desmoronando na trágica tempestade é profética. Ninguém, aquela época (l985), pensava  em dèbâcle dessas respeitáveis instituições.

          De banco o autor é um expert. Olhou de dentro, agora olha de fora, com muito realismo, cópia do natural, o metièr. Mister penoso, labor repetitivo, monótono, sem sentido, estressante e perverso."Emburrecer é preciso", "aqui não existe  sequer o amor próprio", "a vontade do chefe tinha que ser mantida a qualquer custo", "chefe imediato, este de outro chefe mais alto até chegar ao seu Aristóbulo”. Mas Chico Miguel sempre contou com o lenitivo da taça libertadora. Seu ideal artístico, sua transpiração de vate, sua ansiosa solicitude pelas letras, foram o seu "Lexotan". Cumpriu cabalmente a missão, sua via-crucis foi até a aposentadoria. Só pra concluir, lembrando expressão de Tito Filho: Chico Miguel é poeta até debaixo d’água! A parapsicologia revela sua aura composta da mais elaborada escritura que já vi por este "chão de meu deus". A sua obra Laços de Poder e Um Manicaca, de Abdias Neves, são gemas preciosas, opalas genuinamente piauienses do mais alto quilate.

 

      Publicado no Diário do Povo, Teresina, em 3 de setembro de 200

 

 

                             

                     ESTANTE DE LIVROS: SOCORRO ABREU                       

                                                            

                                                                 Magalhães da Costa

                                                                             Contista e crítico

 

          Regresso, de Socorro Abreu, Zodíaco, Teresina, PI, 1997, 442 págs.

          Temos na nossa banca um senhor romance, revelador de uma grande escritora dona de todos os instrumentos de que precisa um inventor de histórias e criador de tipos para fazer uma obra, um relato convincente e belo, como conseguiu fazer essa jovem com esse Regresso, sem dúvida nenhuma uma das melhores coisas que já se escreveu nesta terra, em matéria de ficção, vindo mesmo a igualar-se a O. G. Rego de Carvalho, tido por muitos como nosso maior romancista. Ela, aliás,  não deixa nada a dever ao grande filho de Oeiras, no que toca à escrita. Como ele, domina a língua, narrando com segurança e desenvoltura e muita simplicidade, de forma a esconder seu trabalho de artesão completo e verdadeiro, que aqui aparece como coisa feita e acabada, de amostragem atraente, como um produto ou peça de muito valor numa exposição de arte gabaritada.   Arrisco-me a dizer que há muito não leio coisa tão boa como o romance dessa moça, nem fazia uma leitura tão agradável quanto a que acabo de fazer. Tive um prazer, que o leitor nem calcula. Verdade sim. E olhe que o bicho é pesado – mais de 400 páginas! E ela não baixa. Não amolece nem afrouxa: nunca cai. Segura a narrativa do começo ao fim, numa toada só, quer dizer, sem fracassar um só momento no correr da escrita, que é natural e muito fluente, como, aliás, já o afirmamos.

Além do mais, Socorro Abreu demonstra ter também leitura de bons autores, pois sua criação está dentro do melhor modelo de romance que se escreve hoje, no mundo inteiro, por isso, não é de duvidar que venha a ser uma best-seller brasileira, que condições ela possui, e muitas, estou dizendo; dizendo, não – já falei isso para a própria escritora, quando tive a felicidade de conhecê-la um dia desses, na UBE-PI. Mas o tempo é quem vai dizer, melhor que eu – é esperar para conferir. Romancista a bordo! Salve! Viva! A obra pode ser adquirida nas livrarias de Teresina, com a autora, pessoalmente, ou então na própria Editora Zodíaco. 

 

Publicado no jornal Meio Norte, 28 de outubro de 1997, Teresina -PI

 

 

         

       LUIZ FILHO DE OLIVEIRA

                            ONDE HUMANO, POETA?   

 

                                                                    Francisco Miguel de Moura

                                                                       Poeta e crítico literário

 

         Faz algum tempo que o poeta e historiador da literatura do Piauí, Herculano Moraes, criou a necessária Geração do Milênio, para classificar escritores realmente novos do final do século passado e começo deste, não os deixando ficar na relação dos conhecidos como Geração do Mimeógrafo (ou Marginal). E eu não me advertira ainda de que está havendo certa diferença a mais nos escritores (menos nos prosadores) deste começo século XXI. Mas agora, lendo a obra de Luiz Filho de Oliveira, especialmente seu segundo livro, Onde Humano, gritei para mim mesmo: Eis um poeta diferente, com sumo, com força, com raça, que merece ser distinguido dos de antes pela postura lingüística nova, sem querer imitar gregos nem troianos, clássicos nem modernos, apenas ser ele mesmo, a figura impar do que acontece no mundo, o poeta – em forma de palavra, língua, linguagem, poesia.

Num poema de quatro versos, analisemo-lo, ele faz

                 

questão de poesia 

 

deixe completo ou complete

o verbo é avesso da morte

e por dentro & fora

permanece

 

(Espaço de exercício gramático-poético)

 

E não tentemos mudar  sua peça: é essa mesma, com todos os espaços,

No poema seguinte, este bem maior, assistimos o despacho do onde humano, cujo título enorme não faz medo, mas ilumina o achado da poesia-humanidade, sem sumo de humanismo:

 

 poema armado a sua dessemelhante imagem

 

não lapida a palavra este poeta

mas a lapidar-elas¹ como poema

físico-estético, sócio-linguístico

                  arma

este edifício funcional engenho

erguido na pedra argila cerâmica

papiro pergaminho papel tela eletrônica

ao pegar da cunha do estilo do pincel

à caneta esferográfica ao teclado em pixel²

e sobe ao subsolo bem rente ao cume e

desce os degraus rumo ao cimo e

armado o poema resiste firme

com o espaço destes elementos e

veste tais paredes (estas linhas) e

arranha o céu dos sentidos

o enésimo sétimo talvez sim

pela engenharia do pedreiro

pela forma livre do que

em vida edifica texto:

música ou poema

sentido espaço....... humano construindo.

 

(Das preciosas pedras, em Pedro II, à do sal, em Parnaíba.)

 

Quero saber se o leitor, principalmente o comum e o mais sensível, compreendeu o desejo do poeta de arrancar do espaço e do tempo o impossível, o interdito, “a dor da força desaproveitada” que tão bem lembrou Augusto dos Anjos. Não falo dos poetas, eles entendem o que o leitor comum outrora chamava de loucura do poeta. Hoje, todos que consomem versos e poemas sabem muito bem.

              Luiz Filho de Oliveira não precisa de prefácio, apresentação ou crítica. É um poeta para saltos maiores: os de ter seus poemas publicados em editoras e vendidos em livrarias, assim como seu nome divulgado em antologias e dicionários, pois é o que merece.  Ele é um verdadeiro poeta Milenista, ou seja, deste século e do futuro, digo sem medo. Ele não vai desaparecer na multidão de poetas comuns, porque sabe o que quer, o que faz e aonde quer chegar. É muito bom quando a gente tem poetas assim, individuais, pessoais, inimitáveis, como são as criaturas do nosso mundo onde o indivíduo, a criatura é também o criador de si e do mundo em redor de si. Para o bem e a felicidade da arte. Porque a arte é isto aí: palavras, sons, silêncios, símbolos, imagens que transmitem o até então intransmissível: a poesia. E o poeta é um arauto do futuro, além de ser o intérprete do presente. Poetas e profetas – as raízes são as mesmas. Por isto é que são radicais. O estilo de Luiz Filho é radical e ao mesmo tempo racional. As explicações que ele dá às expressões assinaladas com (¹) e (²), nos versos acima, são de quem conhece gramática, linguística e línguas. Cai, assim, no número geral assinalado por Mário de Andrade: “só os poetas que sabem podem errar” – se alguém, por preconceito, achar que o poeta Luiz Filho erra nisto ou naquilo. Ele não erra, ao invés renova. E todos os poetas são renovadores, criadores. Benvido, poeta! Entre, a porta está aberta para a literatura, aqui e alhures.

 

         Publicado no jornal O Dia, de 08 de janeiro de 2011.

 

 

O MEMORIALISMO NA FICÇÃO PIAUIENSE

                             

                                                 Roberto Carvalho

                                                               Crítico literário, poeta e cronista,

 

 

          Na ficção literária, a articulação do universo da imaginação: sonhos, fantasias, medos, desejos – visão crítica do relacional humano no mundo dos sentidos existenciais possíveis e impossíveis – passa  por uma tipologia de símbolos de predominância fantástica, inversa à realidade. Essa inversão simbológica é que caracteriza, nos diversos gêneros literários, o caráter ficcional do discurso.

          No romance de Oswald de Andrade Memórias Sentimentais de João Miramar, o narrador e protagonista estabelece um fio coincidente ‘pseudomemórias’, onde Oswald autor se diferencia de Miramar personagem, num característico discurso ficcional.  As técnicas usadas na construção da prosa oswaldiana apresentam-se como renovação de conceitos linguístico-estruturais – utilização de significados:  humor/ironia. Autêntica crítica à realidade sócio-cultural do país, àquela época, realista com Machado de Assis, entre outros autores.

          Tocando diretamente  à  ‘inversão’ simbológica, Oswald funde-se em Miramar e instiga o ‘sistema’, propondo uma nova ordem ao discurso moderno. Na visão do autor, o detalhismo inexpressivo perde a importância, cedendo lugar à linearidade abordacional.  Para  alguns, impregnados pelo realismo romântico, o refrão da língua não podia ser alterado em suas estruturas morfo-sintáticas matriarcais. O texto de Oswald de Andrade é a realidade transformada em ficção, onde a expressividade locupleta-se nos recursos semânticos, livremente ornamentados pela simbiose moderna.

          Esses conceitos formais,  hoje utilizados como recursos de ‘information’, na estilística contemporânea, estão distantes do discurso literário feito no Piauí. Numa análise simplista, pode-se observar que a maior parte  da prosa piauiense é composta por memórias, autobiografias e reminiscências familiares. Os temas dessa memorialística são narrados quase sempre de forma descritiva, sem enredo criativo.  A abordagem não desperta interesse, por suas relações nitidamente reais e particulares. Os autores, em sua maioria, usando de uma linguagem ingênua, retratam suas conveniências particulares. A verdade é que esse tipo de narrativa, além de não ser ficção, pouco ou em nada tem contribuído para a formação cultural do Estado.

          De 1988 a 1990, a Academia Piauiense de Letras e o Projeto Petrônio Portela publicaram em torno de vinte livros de memórias e autobiografias.  Com direito a pomposos lançamentos. E, no afã do ‘ilusório’, a imprensa abre espaço para os artigos elogiosos, sem nenhum embasamento crítico. O elogiado, na emoção de quem concebe um rebento, diz que seu livro teve boa acolhida pela crítica (sic). Aí se vai mais um calhamaço sem sentido literário.

          Por falta de observações críticas, esse discurso de ‘afinidades pessoais’ passa despercebido nos meios culturais. O resultado é uma produção literária fastídica e irrelevante, pautada pela irreversividade dos signos narrativos. Aqui, alguns desses repositórios pessoais: Notas Fora de Pauta, Moura Rego, 1988; (...) A Misteriosa Passageira, Lili Castelo Branco, 1989; Sinfonia da Vida, Raquel M. L. Cavalcante, 1989; Memória e Poder Político em Floriano, Bento Bezerra, l989;  O Oitão,    Ana C. Napoleão, 1990; Memórias e Depoimentos, José da R. Furtado, 1990;  Elogios da Sombra, José M. S. Ribeiro, 1990;  Homens e Fatos do Meu Tempo, Afrânio Nunes, sem data; Terra de Bruenque, de Socorro Santana, idem. E a lista continua.

          A maior parte desses textos não tem definição ficcional. Não há um ponto de interesse onde o leitor possa dissipar suas fantasias como parte de um mundo fictício, imaginário, acionado por algo como ação, suspense, inusitado, etc. As situações são narradas tal como aconteceram sem transpor o confabulário direto. Exemplo: ‘Devo a Dona Maria do Socorro Moura, criatura meiga e cheia de dedicação, o aprendizado das primeiras letras, Sinfonia da Vida, Raquel M. L. Cavalcante, pág. 16.    No texto acima transcrito, a comprovação da intransposição lógica, em alusões às intimidades, confraternizações. Verdadeiro confissionário pessoal.

          Em A Misteriosa Passageira, de Lili Castelo Branco, apesar do apelo emotivo, o fio narrativo continua no mesmo refrão: memórias reminiscentes e alguns adendos historiográficos. A autora refaz, nesse livro, o que deixara de fazer em Fases do Meu Passado, 1983, memórias, como substância de um estilo mais próprio de quem domina o fazer literário. Sua emotividade, mesmo em visita ao passado, subtrai uma certa essência, assim descrita: ‘ – É tão bom recordar! Seja o que for do nosso passado tem importância pelo fato de o termos vivido.’  A Misteriosa Passageira, pág 68. Da prosa de Lili, além de outros fatores estilísticos pertinentes, deve-se destacar também a variação vocabular e uma semântica viva, que de alguma forma  justifica o valor literário, mesmo quando memórias.

          Num raciocínio mais analítico, a prosa feita no Piauí está postada no discurso memorialístico. Seus aspectos formais estão ligados à terra, aos lugarejos, às pessoas depoentes, num estado ainda rudimentar. Esta minha constatação pode ser comprovada nos livros que têm sido publicados ultimamente em Teresina.  A exceção, nesse discurso, deve-se a alguns autores já consagrados nacionalmente com obras definidamente de ficção – e os historiadores. O restante  é  tudo o mesmo filão: cada um escrevendo de si para si, sem usar aquele ‘de alguém para alguém’ ou inverter a logicidade das coisas. Deste ponto, só nasce uma narrativa estática, sem vida – que não desperta interesse em ninguém, nem mesmo ao próprio autor, após algum tempo.

           

                                          Jornal O Dia, Teresina, 14.12.1991

 

 

 

             WANDERSON LIMA - ESCOLA DE ÍCARO...

 

                                                                               Dílson Lages Monteiro

                                                                                         Professor, poeta e romancista

 

 

          O que quer o poeta?

          Lendo Escola de Ícaro – o exercício necessário da queda, livro de estréia do poeta e professor Wanderson Lima, publicado em 1999, mergulhei em uma paisagem  sedutora, em que a claridade se mistura à escuridão e as sombras do humano se estendem pelos caminhos da busca incessante do ser.

          Por isso sou levado a revigorar as palavras de Freud, para quem o poeta é um feiticeiro, guiado pela inspiração que, exprime suas fantasias e torna-as aceitáveis e até prazerosas a outros, realizando os desejos próprios e os alheios. Desse modo, ele escreve em função do que deseja ser ou ter e, assim, mostra-se permanentemente insatisfeito. A arte, pois, consiste na mais elevada forma de sublimação, no mais completo exercício de liberdade.

Consciente disso, Wanderson encarna a angústia como matéria prima do fazer poético, ora versando sobre o comportamento e suas reações ante a vida psíquica e a realidade exterior, ora tematizando o poeta e seu ofício, como nos versos que abrem as estradas do livro. Versos nos quais define o vate como uma criatura múltipla, fragmentada, resistente,que faz da palavra o grito capaz de saciar as vontades do ego.:

 

Eu

Mármore de mim e de outras sombras

Vivo o chumbo das eras e os golpes de Eros

Eu estilhaço e baba do fim de tarde

Grito grito grito minha fraqueza

Para não morrer de fome e de silêncio.

 

          A confirmação da angústia como tema central da obra advém da obsessão do poeta em repetir imagens em que procura caracterizar a vida, numa tentativa frenética de barrar as efemeridades das horas. A vida se confunde com o próprio pensamento e, em tom de oração, revela-se imprecisa e  confusa:

 

                    Rio nosso que escorre

                    leva lembranças e laços.

                    Leva o riso, viço e a vaidade

                    e a vontade.

                    Em suas águas barrentas

                    arquejando de dor

mil fantasmas pastam.

 

Nesse contexto, a poesia é motivo para existir, para superar a hipocrisia, a imperfeição, os riscos, a desilusão; é motivo para a alma se renovar, para aceitar as perdas, para se consolar, para amar.  Ao construir essa cosmovisão, o poeta sacraliza a palavra como o campo de perfeição do eterno, espaço onde as fronteiras se apresentam exatas, permitindo adentrar na essência do espírito e  no cotidiano das relações consigo mesmo e com o outro.  Comportando-se assim, o poeta concede universalidade à sua poética e endossa Goethe, para quem “toda característica humana, não importa quão peculiar,  e toda representação, desde a pedra até a escalada do homem, tem certa universalidade”.

A universalidade que permeia os temas se traduz literalmente quando o vate define o amor numa concepção madura e filosófica, como capacidade de provocar perdas. Também se manifesta, por exemplo, ao expressar  a reação do eu-lírico ao materialismo, através de versos dotados de fina ironia:

 

          Ratinho sem graça

como eu

brinca na minha estante de livro

ratinho não quer aprender nada

quer só roer.

eu também ratinho

se pudesse

viveria só de roer

no só ser

nem os dentes eu escovaria.

 

          Os que lêem Escola de Ícaro estão diante de boa poesia, porque  Wanderson é um poeta preocupado com o acabamento, sem descuidar do conteúdo, sem se perder em jogos cerebrais. Comportando-se dessa forma, lembra definição sobre o bom poeta na ótica de Henriques de Cerro  Azul: ‘Na construção de um edifício não basta a solidez dos alicerces, das paredes, das colunas. Não basta que a construção seja sólida. É preciso ser bela. Por isto é necessário o acabamento do prédio. Os azulejos, as pias, o revestimento das paredes, do teto, do piso devem ser de primeira qualidade, e a decoração em um papel superior. Isto faz a diferença entre o edifício pronto e o edifício em construção. Igualmente na poesia é o acabamento que faz a diferença entre o grande poeta e o poeta medíocre’.

          A grandeza dos versos de Wanderson reside no olhar obstinado sobre a palavra exata, o que o norteia a burilar, concomitantemente, o velho e o novo, o clássico e as vanguardas, passeando por formas diversas: o soneto, a elegia, a ode, o haikai, a balada, o cromo e o verso livre.

          O que quer o poeta? Em Escola de Ícaro – o exercício necessário da queda, a poesia tenta transcender o fugaz, no intento de suportar a inconstância do humano em contínuo transe.

 

                            Publicado no Diário do Povo,  16 de outubro de 2002

 

 

 

                           LARA LARISSA

                         A TERRA DOS SONHOS MORTOS

                      

                                                                     Humberto Guimarães

                                                                             Médico, romancista e crítico

 

Por telefone uma jovem universitária solicita-me entrevista sobre comportamento humano e criminalidade. Chama-se Lara Larissa, tem dezenove anos. Marcamos encontro na APL, a entrevista é feita, parece-me que para subsidiar uma monografia acadêmica em jornalismo, sendo ela contudo já bacharela em Direito. Talvez a chover no molhado, sugiro que leia mídia sem limites, de Todd Gitlin, para completar a visão do lado feio desse “quarto poder” que se erige como responsável  pela formação da “opinião pública”, enquanto lhe passa gato por lebre. a alimentar-se da promoção de escândalos, vista grossa fazendo aos conceitos da Ética. À despedida, a surpresa: oferece-me um exemplar do seu segundo livro, A Terra dos Sonhos Mortos, uma primorosa brochura cuja leitura revelou-se-me agradável desde o início; trata-se de  um drama dos desacertos sociais, desses que se repetem com freqüência quando chega a caterva política com suas promessas aliciantes  para possuir o povo mediante  fraude, violentando os  valores humanos em todos os sentidos; uma literatura conduzida atemporalmente e sem precisa localização espacial, porque é de todos os tempos e de todos os lugares a produção do trabalho escravo, o espezinhamento do homo-res pelo homo-dominus hipócrita, covarde, insensível, cínico, desalmado., levando-se pelos princípios da falta de princípio da cracia de um demos que não é povo, mas verdadeiramente demônio. Pois bem assim revoltada com a falsidade dos homens do sorriso fácil e das grandes mesuras que assumem o poder sobre os outros, os que não usam ternos nem gravatas, acenando-lhes com a bandeira da esperança para depois massacrá-los com a desumanização, tiranizando-os em proveito próprio por todo o tempo que puder exercer a fraude do lobo em veste de cordeiro, a autora conduz o drama  com seus personagens pervagando em sombras anônimas de despersonalização, de abulia, de uma apatia de quem foi exprimido até a derradeira gota de caráter, pela necessidade do básico para um minimum de dignidade, porque já no desalento de um amanhecer vazio, situação imposta sob melífluos sorrisos de raposas.

         Foi assim que me lembrei duma literatura nordestina semelhante, a do caruaruense José Condé, especialmente em Vento do Amanhecer em Macambira – clima onírico de uma inquietação existencial à procura proustiana de um passado morto no ambiente fantasticamente vivo nalma; poesia fantasmagórica de um sentimento fixado sobretudo no primeiro amor do personagem, presença morta de uma Lívia que desaparecera com a vila numa investida de Lampião. Uma novela, uma fantasia ; uma representação eidética, que surrealismo é este? Na realidade uma montagem simbólica das agruras nordestinas, como observa Fausto Cunha, o vento, que é raro, sopra agouro de má expectativa, crença arrepiante sugerida pelo sofrimento crônico que somente dita desgraça, fatalidade, o que vem de longe, lá dos medos primevos dos nossos adões-índios, o minuano que tanto assustava a Bibiana de O Tempo e o Vento, de Erico Veríssimo. Bem assim, porque no bloco da existência mensurada pela consciência as transformações e os dramas das saudades e dos anseios são temas que esvoejam em recorrências de geração em geração, Lara Larissa, jovem cheia de esperança por um mundo melhor, estável em afeto de altruísmo na política sócio-econômica e humana propriamente dita, simboliza um passado singelo e parte em busca dele, para, em estupefação, encontrar uma cidade morta, como tantas outras por esse Brasil adentro e afora, por essas republiquetas sulamericanas ; cidade morta pelas espoliações, pela matança constante da galinha dos ovos de ouro – que não renasce como a fênix; como tantas outras... Todo memorialista rebusca o passado e só encontra escombros do que vivera, camada soterrada de uma arqueologia biográfica, baú de ossos do Pedro Nava. Sobre o tema, com mais contundência, o criador da expressão, Monteiro Lobato; mas também o encontramos em Humberto de Campos, além dos já citados Pedro Nava e Condé. Uma diferença capital entre Vento do Amanhecer em Macambira” e ATerra dos Sonhos Mortos, é que, no primeiro, lavra de um escritor já firmado, fecha-se o estágio das buscas sentimentais de um nordeste submerso na saudade, de um tempo-vida que não é possível voltar, porque não mais existe, sucumbido nas circunstâncias danosas e na impiedade da ganância; enquanto no segundo encontramos a esperança trabalhada corajosamente no ritmo da perseverança obstinada da pedra mole em água dura, do malho em ferro frio, na certeza de que até o impossível pode transformar-se em possibilidade, especialmente quando se trata do comportamento humano, para o qual a sabedoria popular aplica brocardos como “o que aqui se faz, aqui se paga”, “quem semeia tempestade”, “de vento colhe tanto ir à fonte, um dia o pote se quebra”.

      O estilo singelo como o de Saint-Exupéry em o “Pequeno Príncipe”, como o de Maurice Druon em “O Menino do Dedo Verde”, como o de Richard Bach em “Fernão Capelo Gaivota” e “Longe é um lugar que não existe”,segue, como esses autores, um fio condutor de idéias positivas, porém bem mais objetivas, saindo do pessoal da auto-ajuda para o social na perspectiva histórica renovável; o seu lirismo não se restringe ao saudosismo dos vencidos da vida, das vítimas sem remissão; vivendo a atualidade dos confrontos, dos questionamentos, das denúncias dos criminosos ditos do “colarinho branco”, tece uma trama de expectativa quando dos enfrentamentos do fraco com o forte circunstanciais, dos davis versus golias, a despertar o interesse do leitor para também entrar na luta que parece inglória, mas apenas parece. Um outro aspecto interessante é que o tirano de “A Terra dos Sonhos Mortos” nascera, como de hábito, do seio daquela gente calcada aos pés, era filho daquele meio, fora pacato e humilde, mas se transformara, pelo ódio, em sedutor vingativo. Como a hiena. Como o chacal. Como a raposa. Como o lobo mau.. Como certos artrópodes na configuração das fábulas em que o bom sofre e sofre, e o mau parece que sempre será o vencedor; parece, e o bem quase desvanece, mas no final definitivamente cresce.

 

Publicado no jornal Meio Norte, Teresina, PI, em  06/04/2005,  artigo da série denominada Viajando sobre os Estigmas - IV

 

 

                     SONETOS DE CANTADORES

 

                                                           Joames

   (Joaquim Mendes Sobrinho, nasceu em         

                          Pedro II, poeta, cordelista, sonetista, tem vários

                          trabalhos publicados. Mora em Teresina- PI)

 

 

A maioria dos poetas pupulares  não alisou bancos de colégios, poucos cursaram o 2º grau e ramos são os que têm formação superior; estes, a despeito, nem sempre são os melhores cantadores ou escritores da Literatura Popular.

Atributo peculiar a todos os cantadores é, sem dúvida, a curiosidade sobre todos os ramos do conhecimento humano, que somada a uma inteligência privilegiada, os capacitam a abordar com aparente segurança e desenvoltura, temas os mais diversos.

Como já falamos nesta coluna (Cordel), uma das composições poéticas mais difíceis é, sem dúvida, o soneto; por ser uma poesia curta, de sentido completo e profundo, poucos são os poetas que o cultivam. No Piauí, atualmente, destacamos como grandes sonetistas, entre outros, os poetas Altevir Alencar, Hardi Filho, Chico Miguel de Moura e Raimundo Clementino, que não são cantadores.

Entre os cantadores, alguns, de vez em quando incursionam pelo mundo maravilhoso do soneto, embora sem a técnica dos grandes mestres, mas com a mesma sensibilidade característica dos gênios da poesia. Para evidenciar o que afirmamos, transcrevemos, a seguir, três sonetgos de cantadores: o primeiro, de autoria de Domingos Fonseca; o segundo, deste colunista      ; e o terceiro,  do jornalista, escritor e poeta Zózimo Tavares, que também canta de improviso:

 

            Mais um Natal

 

Mais um Natal que passa... e a pobreza

Continua a chorar, de mãos vazias:

Trezentos e sessenta e cinco dias

E seis horas de sonho e incertezas.

 

Surge um novo Natal... Nova tristeza

Para os que sofrem. Novas iguarias,

Novas harpas vibrando em melodias

Em torno dos banquetes da nobreza...

 

Ó Menino Jesus, Espírito Santo,

Tu que em trinta e três anos de existência,

Entre os humanos padeceste tanto,

 

Roga a Deus – a Suprema Divindade,

Para nos dar, ao menos, paciência,

Já que fez desigual a Humanidade!...

                          

                      Cepticismo

 

Vis paixões, transitórias e vulgares,

Duendes feminis, falsos amores;

Ao render culto a vós, ó sedutores,

Várias vezes manchei santos altares.

 

Versos meus dediquei-vos aos milhares,

Cuidando merecer vossos favores,

Porém sois, todos vós, enganadores,

Indígnos de ouvirdes  meus cantares.

 

Se volverem à vossa intimidade

Antigas emoções ou devaneio

Que venham suscitar uma saudade,

 

Sabei que já não amo nem odeio;

Ora exceto a Suprema Divindade,

Não cultuo a ninguém e em nada creio.         

 

                      A Mão

 

Você, que é grande, e também talentoso,

Que vive da fama e de  elogios,

Que é festejado e se enche de brios,

Pois seja humilde e também generoso.

 

E nunca desfaça de quem é idoso

E nem aos pequenos faça desafios.

Eu já vi secarem caudalosos rios...

E o amanhã é sempre duvidoso...

 

            Quem hoje é grande e tem louvação

Já foi pequenino – uns até demais!

Também o pequeno pode crescer... Não?

 

E, além do mais, abra a sua mão,

E veja seus dedos: não são desiguais?

Porém, todos eles preciosos são.

 

  Publicado no Diário do Povo, Teresina, 05 de novembro de.2004

 

              

          CANTO NOVO PARA AMARANTE

                                               Cunha e Silva Filho

           Professor, cronista e crítico literário

 

A se ver pelas indicações bibliográficas do autor, Carlos Alberto Gramoza é poeta das novas gerações da literatura piauiense. Com o volume de poesia Passos Oblíquos (1), me parece que a cidadezinha de Amarante ganha um outro intérprete de uma cidade com vocação para despertar o sentimento poético, cujo marco mais respeitado do passado foi Da Costa e Silva.

Ao contrário do que afirma Clóvis Moura, vejo na poesia de Gramoza sinais acentuados de influências tradicionais e modernas, só que este poeta, como todo poeta de qualidade, ao se inserir no circuito da tradição literária, o faz de maneira pessoal, procurando a sua verdade ou o seu caminho intransferível. Toda grande poesia no fundo se parece. O que distingue cada poeta de bom nível é a sua formação intelectual, a sua aventura individual e a sua originalidade.

Gramoza faz parte do grupo de poetas posteriores às últimas vanguardas que dela se beneficiaram, porém optaram por um discurso poético com um pé na tradição e outro na modernidade. Sua arma é a sintaxe retrabalhada e retemperada pelos avanços da poeticidade contemporânea.

Alfredo Bosi (História Concisa da Literatura Brasileira, Cultrix, 3 ed. 1986, p. 543) distingue, pelo menos três tendências da poesia brasileira a partir da década de 70: o discurso poético, a fala ontobiográfica e o cráter público e político da poesia.

Gramoza se encontraria transitando entre essas tendências apontadas pelo ensaísta acima. A primeira compreenderia todos os poemas reunidos na obra que ora comentamos.

Na segunda,  estariam incluídos o poemas Chuveiros (p.18-19), O Til do meu Coração (p.22), Poema Urgente (p. 2) e de forma brilhantemente  realizada Transfiguração (p 24-25). Outros exemplos seriam: Crise Existencial (p. 27-28),  Cingidos (p. 29-30), Noturno Fluvial (p.31-32),  Ternura ( p. 33 ),  Crepúsculos (p.38-39) Os Alísios (p.40-41),   Centelhas Brasileiras (p.52-53), este também finalmente elaborado.

Na terceira tendência compreenderiam, entre outros,  poemas como Fenix (p.26),  Vozesconflagradas (p. 45-46),  As Vozes da Rua (p.54-55), um dos melhores do livro,  Cena Corriqueira (p.56), História do Brasil (p.57-58),  Cheiros (p. 59-60),  Rosa (p. 62-63), Raça Humana (p. 64-65), Debulhada (p.68) e  Longe de si mesmo (pg.69-70).

A leitura cuidadosa de cada poema confirmará sem dúvida essas três tendências entrevistas,  as quais aparecem juntas ou separadamente em outros poetas da geração de Gramoza.

Não diria que todos os poemas de Passos Oblíquos conseguiram convencer quanto à sua realização estética. O primeiro deles, que abre o volume, Final Aquoso (p.11-l4), carece, a meu ver de mais acabamento. A própria extensão maior dele, dividido em duas partes, não contribui positivamente para uma adequada articulação interna. Ao nível semântico, partes do poema não conseguem transmitir toda a força comunicativa que dele esperaria o leitor de poesia. Ao nível do tratamento temático, é preciso que o poeta não resvale para a gratuidade filosofante ou o sensacionalismo. É preciso que o poeta evite cair no didatismo. Por isso, vejo que os poemas de Gramoza mais bem concebidos são aqueles em que os recursos estilísticos e formais utilizados dão  uma sensação de unidade significataiva à peça poética, na qual se vêem inextricavelmente coesas a semantica, o tema e a sintaxe, o que acontece, por exemplo, nos poemas Corolário (p.44), Nas Garras do  Tempo (p. 47),  As Vozes das Rezas (p. 54), Rosas (pg. 63-63).

Na lírica de Gramoza convivem três vertentes temáticas, pelo menos na obra que estou examinando: o subjetivismo de fundo autobiográfico, a natureza no seu aspecto telúrico como apontou Clóvis Moura e a poesia social.

Na primeira vertente estaria exemplarmente ilustrado o poema Transfiguração (p.24-25), do qual vale a pena transcrever estes versos:

 

Nas casas de seus descendentes:

os seus retratos vivos guardados,

ou pendurados, ladeados nas paredes;

ou (tão) apenas

na memória e no coração.

 

Na segunda vertente, mencionaria o poema Passos Oblíquos (p.34-35):

 

do sol nessa vasidão estampada,

trazendo para dentro do lavrador

a força da terra.

Para esse homem cria,

e outras crias, crias desse chão.

 

Na vertente social, citaria, por exemplo, Rosa (p. 62-63):

 

Mundo microcéfalo imundo

rotineiro na sua torpeza não vê

e com tanta licenciosisade

corroi o mundo de rosa, subverte a rosa

que nasceu para ser rosa

hirta, perita, perfumosa.

 

Diria, finalmente, que, nãos fossem tantos erros de revisão que assinalei durante a leitura da obra, certamente a minha impressão do ainda seria mais receptiva. Por outro lado,  vejo em Gramoza uma voz poética no mesmo nível de excelência daqueles poetas novos do Piauí que estão postos em sintonia com a atualidade da poesia brasileira contemporânea, destacando-se, entre outros traços dessa poesia, o recurso intertextual por ele habilmente empregado no belo poema Centelhas Brasileiras (p.52-53)  - adaptação  parodística de Meus Oito Anos (primeira e última estrofes) das Canções do Exílio, de Casimiro de Abreu:

 

Ah! que saudades

que eu tenho daqueles natais,

daqueles dias de ano novo

deglutidos pelas crises

que os anos as trouxeram

e não levaram nunca mais.

________________

Gramosa,, Carlos Alberto, Teresina, COMEPI, 1994, 72 p., apresentação de  Melcias Lira. Introdução de M. Paulo Nunes e Prefácio de Clóvis Moura.

 

Pubicado no livro As Ideias no Tempo, Ed. Academia Piauiense de Letras, Teresina, 2010, de Cunha e Silva Filho)

 

                        ADRIANO LOBÃO: A POÉTICA RENOVADA

 

                                                                      Francisco Miguel de Moura

                                                                         Poeta,romancista, crític

         

Adriano Lobão Aragão, jovem de ar tímido e ensimesmado, é um poeta talentoso e dele muito se espera. Certamente, dele muito se ouvirá falar na literatura. No momento, refiro-me ao livro recente, As Cinzas as Palavras, Edições Amálgama, Teresina, 2009, onde prossegue na sua linha de aprofundamento nos clássicos - antigos e modernos – e o faz com uma poética crítica e com sabor de atualidade. Conta com outra roupagem, aquilo de que a poesia da modernidade mais gosta: a intertextualidade e a intratextualidade, traduzindo seu mundo em poesia, com discursos e sensações perpassados por outros.

Cabe aqui uma digressão: Após o advento da obra póstuma Cours de Linguistique Generale, de Ferdinad de Saussurre (1857-1913), resultante de cursos dados aos seus alunos A. Ridlinger, Charles Bally e Albert Sechehaye, a Lingüística torna-se o estudo científico da linguagem, quando é feita a separação entre língua e fala, sendo esta o ato individual e, portanto, sujeito a fatores externos, e aquela, um sistema de valores que se opõem uns aos outros e que está depositado como produto social na mente de cada falante de uma comunidade, com homogeneidade. Mas Lingüística e Gramática não brigam, convivem no mesmo escritor, com sabedoria como faz Adriano Lobão.

O estabelecimento da Lingüística é o começo da modernidade poética, os poetas de então ganham novas formas de libertação, não mais sendo obrigados a simplesmente repetir metáforas e metonímias. O uso de tudo o que a literatura imprimiu até então enriqueceu o consciente e o inconsciente coletivos, para as variações mais estranhas, às vezes chegando ao obscurecimento do discurso. Derivadas da ciência lingüística surgem a intertextualidade e a intratextualidade, ambas já usadas nos discursos clássicos, porém de forma disfarçada.

Na poética de Adriano Lobão não faltam intertextualidades e intratextualidades. A leitura do poema Uns versos (pg.15), tornam suficientemente claras minhas afirmações:

 

“entre linha limpa descanso sutil não se desdobra

  claro enigma em superfície inerte paz abandonada

  o inexato revelar de obscuras possibilidades”

 

E o autor segue, com segurança,  em todo o poema.

Isto já era comum, no Brasil, a partir da Geração de 45, de onde vem H. Dobal. Mas, nas suas últimas obras, Dobal parte para uma temática e um texto mais natural, aproximado da terra e do pensamento contemporâneo de satisfação imediata. O poema Há ainda este tempo, que começa o livro de Adriano Lobão, é muito característico do discurso da citada geração e da geração do Caetano e Torquato Neto, por exemplo.

Encontramos, assim, as causas da proximidade, o encontro do signo do historicismo com outro, o da modernidade, através de seu discurso interpolado e enfático nas metáforas com metonímias, nas sinestesias com cenestesias.  Tudo isto já existia na poética barroca, como vemos no poema As odes os signos, de Adriano Lobão, o que não havia era a sociedade moderna, agora entrelaçando toda a literatura:  

 

“estas odes que aqui se erguem como estranhos obeliscos

emanam como desencanto louvando o próprio canto

palavra perdida lançada em busca de alheio signo

 

este verbo disperso em distante campo de poeira

areia estéril onde não canta tágide nem musa

estância onde não se encontra em seus cantos engenho e arte

 

nem alegre lembrança vestida de esquecidas ânsias

nem rústico altar profano onde sem música se dança

         aquém dos verbos de outrora além dos versos de amanhã

 

        decantados em prosa elegia e hino assim recordam

        estas odes aqui erguidas em busca de signo alheio”.

 

A pequena diversidade na matéria/conteúdo dos seus livros vai por conta de um estilo maturado na substância história principalmente.  Poemas bem construídos, com cheiro e sabor dos clássicos, baseados em altas leituras. O autor é professor de literatura, adivinha-se: - basta que analisemos o mundo de antíteses e paráfrases, referências e alusões, sem falar na tônica inversões/invenções... Por tudo isto e por muito que não é possível ser dito aqui, Adriano Lobão Aragão é um dos melhores poetas da geração Amálgama, deste século XXI, um milenista como diria Herculano Moraes.

 

 

Publicado no jornal O Dia, 08  de outubro de 2011, artigo publicado como se fosse de autoria de Maria Helena Ventura.

 

 

               TERESINA

HISTÓRIA E IMAGINÁRIO

  

                                                    Teresinha Queiroz

                                                 Professora e historiadora

 

Teresina é uma cidade com história e historias. A simbiose passado-presente é ainda claramente perceptível nos espaços e nos marcos, mesmo atenuados e depredados do seu núcleo urbano. Ainda é possível, ao pisar aqui, aportar ali, refazer os passos lentos de um passado não tão remoto e flagrar os processos que o hoje promove na cidade. Cidade de personagens, de nomes e de donos, onde história e memória ainda se encontram claramente associadas. Cidade construída no labor do trabalho e no lavrar de fantasias e sonhos, produtos de um ideal que se fez concreto no esforço catalisador do desejo de muitos e da coragem de alguns, simbolizados no jovem Saraiva.

Impossível não falar de mudanças nesta cidade, como impossível também é olvidar as penas convergentes de seus historiadores – Clodoaldo Freitas, (¹) Monsenhor Chaves, (²) Odilon Nunes, (³) Orgmar Monteiro (4) e A. Tito Filho (5), que relataram, em todos os quadrantes, as primeiras décadas de Teresina. O sítio original, as primeiras construções, o modo de vida dos primeiros habitantes, as circunstâncias e os impasses da transposição da sede da antiga para a nova vila do Poti, as incipientes repartições públicas, a convergência dos moradores para o mesmo desiderato. Teresina já aparece em sua vocação regional, atraindo e tentando absorver parcela dos negócios do Maranhão. Neste sentido, mudança era a palavra de ordem, desde o século XVII; e o norte buscado pelos administradores públicos era o das grandes vias navegáveis, tendo em vista que o Parnaíba, que ainda não envelhecera, era a grande promessa. No século XIX, face às inovações tecnológicas incorporadas à arte da navegação fluvial, seu poder de atração se confirma, ratificando aquela tendência para o arranjo das populações em áreas ribeirinhas. A situação da nova capital é apenas compreendida no interior desse rearranjo mais geral, cuja especificidade piauiense e regional é também a da reacomodação da principal fonte econômica da Província – a atividade pecuária.

O imaginário da cidade discorre de forma magistral acerca desses imperativos da história. A voz popular já contava, no século XIX, “o meu boi morreu, que será de mim”, realçando a necessidade da busca de outros recursos. O infeliz Crispim e sua mãe dispunham apenas de um magro corredor de boi, e as águas dos rios misteriosos já prometiam, de maneira ambígua – fartura, doçura e desgraça. Nos primórdios da cidade, Num-se-Pode já precisa esticar-se para, à falta de lampiões, acender a lua e melhor espiar a cidade nascente, tentando perscrutar suas entranhas, adivinhar-lhe o futuro, talvez iluminar-lhe a busca incessante de Cabeça-de-Cuia no encalço das Sete Marias Virgens. Teresina nasce assim uma cidade de cálculo, de planejamento e igualmente de mistérios e de histórias de encantamento.

 

                                           II

 

Curioso observar que Teresina nasce para exercer papéis bem definidos de núcleo urbano centralizador e diretor de políticas públicas, de centro dispersor de dinâmicas socioculturais. No centro da Província nucleadora de eixos regionais de transporte e comunicação. Teresina marca-se pela prestação de serviços, pequena industrialização, vocação agrícola, que custa a se definir e a se concretizar. Nesses cento e cinqüenta anos, esses são alguns dos atributos de permanência da cidade. Em seus primórdios e desde as propostas originais de Saraiva, expressas na correspondência com a Corte, esses são os aspectos positivos e as dificuldades a superar. Observa-se extraordinária fidelidade da história a essa discussão, cuja origem remonta às primeiras críticas ao sítio da cidade insalubre, de pouca adequação para a agricultura, de calor excessivo. Em paralelo, as árduas defesas da excelência do lugar pelos moradores, simpatizantes e políticos.

É recorrente a discussão em torno dessas temáticas originais, consubstanciadas hoje em todos os planos e políticas que se voltam para a cidade de amanhã. Idéias, projetos, problemas, preocupações sesquicentenárias: educação, saúde coletiva, comércio, transportes, dependência quanto à produção de alimentos, empregos públicos, industrialização, hegemonia regional. Espaços de ganhos e perdas, embates permanentes na pequena história da cidade. Processos, símbolos e monumentos a atestar essas presenças-ausências de nossa história.

A maneira como a cidade se constroi e busca perpetuar-se em seus relatos e relíquias pode ser vista em seu primeiro terço de vida. Nos primeiros cinqüenta anos, Teresina tem um formato já marcado pela forte presença do Estado, por uma atividade comercial voltada para o uso dos rios, pela integração regional com a hinterlândia maranhense e por uma gestão pública e privada de serviços básicos mínimos de educação e saúde. No deserto da Província, Teresina é a Corte, embora descalça. Sua grande riqueza simbólica e monumental é a das igrejas – do Amparo, das Dores, de São Benedito. Voltada para Deus, a cidade é súplica a partir dos protetores a que recorre e solicita permanentemente o alívio às dores dos habitantes, boa parte da cor de São Benedito.

                                    III

 

A cidade já nasce embriagada de si mesma, como agora. Em seus primórdios, memória e história registram o burburinho de gente na construção. É possível imaginar Saraiva em mangas de camisa, acompanhando seus mestres de obras a destocar unhas-de-gato e mofumbo, a enfrentar o consórcio natural de pedras e lama.  Os caminhos de terra concorrem com os caminhos das águas, no levar e trazer bens e pessoas deslocados do Poti Velho. Esse movimento de edificações de barro e de sonhos já se acompanha de lendas de origem que retratam também o movimento de resistência local.  A Santa do amparo, da antiga igrejinha do Poti, resiste à mudança, na imaginação de velhos moradores inconformados. Poucas décadas após, destaca-se a novidade do aglomerado urbano em sua forma e em seu tamanho, surpreende o crescimento da cidade face à dispersão urbana do período.  Passada a euforia inicial, Teresina cresce a seu modo, em torno da administração provincial, da vida comercial e do cotidiano religioso. Repartições públicas na busca de sedes próprias, comércio voltado quase com exclusividade para as rampas do Parnaíba e para o Mercado, então novo.  Por caminhos interiores, incipientes e poeirentos transitam retirantes famintos desta e de outras províncias. Os emblemas da vida e da morte estão representados pela Santa Casa de Misericórdia, pela Cadeia Pública, pelo Velho Cemitério, pelas agora seculares igrejas do Amparo, das Dores, de São Benedito. Tudo ao alcance da mão e da vista, ontem e hoje.

Ressalte-se que, nos primeiros cinqüenta anos, Teresina já era uma cidade de pobres, atraindo outros iguais, com seus sonhos de redenção. Crescendo a partir das fímbrias, em contornos circulares ao casario de telha, acinzentando de palha os caminhos do norte, do leste e do sul. Em sua infância, Teresina já convive com a mendicância de velhos abandonados, com crianças desvalidas e famintas, com mulheres desgraçadas pela fome e pela miséria. Aqui já está posta aquela condição característica e aparentemente paradoxal da cidade – seu crescimento pela miséria regional circundante. Quando Teresina arrefece em seu crescimento, trata-se de um bom sinal.

 

                                         IV

 

No momento atual, a Teresina sesquicentenária, narcisicamente, reflete-se no espelho verde de seus rios e quintais. Constrói, descobre, desvela novas e encantadoras paisagens. Busca o céu, aconchegando-se a si mesma no movimento acelerado de verticalização. Abraçada pelo azul e banhada pela luz dourada de seus fins de tarde, outra vez, como no fim do século XIX e em outras décadas do século XX, está recolhida e concentrada, imersa em autocontemplação, num movimento afirmativo de enfrentamento de seus problemas centenários e na retomada de esforços para a plenificação de seus pontos fortes.

                                        V

 

Teresinenses natos e por adoção têm cantado a cidade em prosa e verso. Figurada como menina e como mulher, ela tem sido poeticamente explorada em todos os seus contornos e perfis.  Suas qualidades e seus defeitos – poucos, dizem seus cantores, têm sido mostrados à saciedade.

Francisco Miguel de Moura, em Ter-e-sina, afirma:

 

Há Roma, Paris e Bagdá

com sonhos que não sei

com ceus que me escaparam

pelos pés.

Você conheço de pele

de manha

de manhãs desfeitas

de sol e chuva meio a meio

de ponte anoitecer

de rua, rio e rima. 

Só você com seus ares

de mulher que ensina

a vida, o ventre

e o tonel. (6)

 

Cineas Santos constata que

 

Aos que chegam

(náufragos, arrivistas, mercenários)

a cidade sorri

e finge que se dá

(...)

 

E acrescenta:

 

a cidade conhece os seus

(...)

e só a eles se entrega sem reservas. (7)

 

Essa feminilização eufemística se exacerba em V. de Araújo:

 

Teresina:

contornos sensuais, anatômicas formas; (8)

 

É possível afirmar que todos os monumentos e todos os sentimentos da cidade têm sua versão poética. Menina mimada e ninada, cheia de caprichos, arrancou da alma de um apaixonado versos de entrega filial, sem reservas.

(...)

tudo é tão concreto em ti

e em mim, tudo assim

tão frágil, este coração de filho (9)

 

          A ausência da cidade, o exílio buscado ou compulsório são temas recorrentes na poesia local. Beth Rego sintetiza esse sentimento ao afirmar:

 

           (..) A felicidade se esconde aqui

            mas só se mostra quando estamos no exílio. (10)

 

          No mesmo sentido, Hélio Soares Pereira rega o sítio de sua paixão “na água filtrada de sua saudade”. (11)

          Os seus contrastes não escapam à observação preocupada e amorosa de outros:

 

          Teus olhos erguidos, projetos ao vento,

são como velas, ao desafio do tempo,

de velozes jangadas... navegando céus. (12)

 

enquanto isso, o Velho Monge

no auge de sua caduquice

transforma suas águas em coroas.

 

seu leito que outrora

fora caudaloso

hoje é apenas um rio de lágrima

da mãe Natureza

chorando sua própria desgraça. (13)

 

                             VI

 

Desde seu nascimento, Teresina se queixa, ressentida com a falta de diversões. Um olhar documentado para o passado e uma vista d’olhos no presente não parecem confirmar essa asserção. Dezenas e dezenas de atividades lúdicas podem ser lembradas compondo os lazeres do século XIX e mesmo do século subseqüente. Banhos de rio, pescarias, caça desenfreada a aves e a pequenos animais, farinhadas, serenatas, danças e batuques diversos, missa, novena, quermesses, festividades religiosas ligadas à Semana Santa, festas alusivas a São João, a São Pedro, a Santo Antônio, bumba-meu-boi, comícios, festas familiares de casamentos, batizados e até mesmo os enterros faziam parte da intensa sociabilidade do passado, quando sagrado e profano não necessariamente estavam desvinculados.

Na primeira metade do século XX, a intensificação da urbanização, as inovações tecnológicas, a maior complexidade da rede social e a grande ênfase conferida à escolarização, no universo de uma República que se pretendia das letras, agregam àquele elenco novas diversões ligadas à vida escolar e a esse novo universo intelectual em expansão. Merecem lembrança os desfiles cívicos, as conferências literárias, as palestras, os lançamentos de jornais estudantis e de livros diversos, os saraus musicais, as representações teatrais, o cinema mudo e, posteriormente, o cinema falado, a intensificação dos carnavais de rua e de clubes, as corridas de bicicletas, o futebol de rua e de agremiações que começavam a se formar, e, claro, a continuidade daquela velha prática do passado de sentar-se à porta e falar da vida alheia.

Os cinqüenta anos mais recentes de Teresina já trazem de forma nítida e meridiana a marca da segregação. Pesquisas econômicas e sociais nos têm mostrado na retaguarda das posições de crescimento, malgrado os nossos esforços. Espaços de sociabilidades também visivelmente recortados enunciam as diferenças no presente e no passado. Mesmo os lugares públicos, como a Praça Pedro II, retratam esses costumes segregadores – ricos volteando em baixo – soldados, pobres e ‘mal-faladas’ na parte de cima. Nesse instante, os shoppings configuram e exemplificam a pertinácia dessa cultura de exclusão. Para muitos, os espaços da liberdade estão nos contornos do centro, nos bairros populares, cujas boates e forrós catalisam jovens de todos os recantos e de todas as extrações sociais.

 

                                       VII

 

Teresina, tal qual a reconhecemos hoje, tem todas as idades e se faz representar, enquanto monumento urbanístico, principalmente pela herança e pelos artefatos dos meados do século XX. O casario do centro histórico, tombado pela voracidade do tempo, ainda se deixa perceber em algumas de suas residências; algumas edificações transformadas em cartão postal, tiveram ou ainda guardam suas funções de prestar serviços à coletividade teresinense. A Ponte Metálica, o Hospital Getúlio Vargas, o Colégio das Irmãs, o Liceu Piauiense, a primeira ponte sobre o rio Poti são edificações-monumentos um pouco mais jovens que a Estação Ferroviária, a antiga Escola Normal, agora sede de Prefeitura Municipal de Teresina, o 25º Batalhão de Caçadores, o Clube dos Diários, construções da década de 1920.

A herança do século XIX se faz representar sobretudo pelo atual Museu do Piauí, pelo Palácio de Karnak, pela Casa da Cultura, pelo Theatro 4 de Setembro, além dos templos já citados do Amparo, das Dores e de São Benedito. As praças do centro, constantes da planta original de Saraiva, talvez sejam os espaços que maiores alterações e adaptações sofreram ao longo desses cento e cinqüenta anos, em virtude igualmente das mudanças em seus usos.

Do ponto de vista urbanístico, o que mais chama a atenção em Teresina, hoje, é certamente o rearranjo das formas recentes de segregação urbana – a verticalização e a favelização rápidas e intensas. Esse notável contraste condensa os processos sociais em curso, revela políticas públicas sobre o urbano, cristaliza clivagens culturais inegáveis. Essas novas paisagens simbolizam os velhos problemas do desemprego e da ausência de segurança, faces do monstro urbano que insiste em se mostrar.

 

                                       VIII

 

Interessante observar-se a relação entre os aniversários cinqüentenários de Teresina e a produção historiográfica sobre a cidade. Os pesquisadores têm presenteado Teresina nesses marcos natalícios e também tomado esses anos como referências.

Sem pretensões de realizar balanço exaustivo, é possível verificar que em 1902 circulava o primeiro livro sobre Teresina, Teresina em 1902, em que colaboraram Miguel Rosa, João Pinheiro e Antonino Freire. (14)  Em 1911 e 1912, Clodoaldo Freitas publica, em folhetim no jornal Diário do Piauí, a primeira história de Teresina, até aqui a mais alentada pesquisa sobre as seis primeiras décadas da capital. Abdias Neves e Jônatas Batista, em romance, artigos e crônicas, registraram muito sobre a cidade até o final da década de 1920. (15)  Entre as décadas de 1930 e 1950,  Teresina é objeto de observação sobretudo dos seus filhos saudosos, que vão habitar outras plagas, em particular,  o Rio de Janeiro, então considerado o lugar do sonho, principalmente pelas classes médias intelectualizadas. Os registros de Cristino Castelo Branco e de Bugyja Britto são exemplares nesse aspecto. (16) 

Porém a identidade de Teresina, moldada no século XX e com mais força após o centenário, é produto do labor intenso e apaixonado de estudiosos e habitantes da cidade, tais como A. Tito Filho, confessadamente seu maior amante em tempos recentes, de extensíssima produção escrita sobre a sociedade e a cultura, entre os anos 30 e 80 do século XX e inventor de uma escriturística que recorta a cidade como quente de afeto, plena de um humor sutil e refinado, povoada de tipos irreverentes, permanentemente sensual.  Cidade-menina, porém grávida de desejos e de irresistível poder de sedução, é imagem exacerbada na poesia local, na música e mesmo na crônica midiática contemporânea. Se A. Tito Filho reforça e perpetua importantes dimensões simbólicas de Teresina, as memórias de Orgmar Monteiro, em cinco pequenos volumes e com a denominação singela de Teresina descalça, recuperam um século de crescimento e transformação do espaço urbano, realçando o embate com a natureza a ser domada e dominada, bem como as transformações da cidade nos seus artefatos, monumentos, serviços, na movimentação econômica e em seus rearranjos espaciais.  Os registros de A. Tito Filho e de Orgmar Monteiro são complementares. O material e o simbólico evidenciam a cidade em ebulição, buscando afirmar-se na região, tentando centralizar os destinos político e cultural do Piauí.

Enamorado humilde e recatado de Teresina, símbolo ele próprio de nossa história, é sem dúvida Monsenhor Chaves – seu maior historiador. Nas festas do centenário, presenteou a capital com – Teresina: subsídios para a história do Piauí, marco indelével daquele acontecimento memorável. Mais tarde elaborou a monografia Como nasceu Teresina.

No final da década de 1980, A. Tito Filho, em ataque incontrolado de ciúme, verberava que ‘Teresina e suas instituições possuem nos dias atuais uns vinte mil historiadores, quarenta mil poetas’, (17) no intuito de criticar os novos e suas cópias sem citações de fontes. Retomo a verrina em outro significado, o do interesse que a cidade desperta enquanto objeto de amor e de louvação.

Em síntese apressada, é possível afirmar que esse autor recupera a Teresina alegre, pitoresca, afetiva, sensual; Orgmar Monteiro realça o território e sua conquista paulatina, o embate com a natureza circundante, o esforço técnico e construtivo aqui operado, sugere o peso das cambiantes econômicas na transformação da cidade.  Monsenhor Chaves vislumbra o cotidiano do povo, em situações que variam do trivial ao heróico. Poetas e cronistas de todas as gerações cantaram os rios, o verde, os sentimentos, a paisagem afetiva, os conflitos sociais inegáveis.

 

                                         IX

 

Teresina em 2002 é toda essa amálgama de sentimento e forma e muito mais do que qualquer cronista possa aprisionar num relato. Antiética e ambígua. Bela, rica e miserável. Verde e cinza. Livre e aprisionada. Cidade de nossa vivencia, de nossa sofrência e de nosso conhecimento. Do desejo de mudar e da vontade de permanecer. Dela já disse o poeta, que podemos talvez seguir:

 

Teresina conheço de antros

de antes.

Bagdá é um sonho

não vou lá.

Meu sonho em que sonho

de acordo

é você. (18)

____________________

Extraído do livro “Do Singular ao Plural”, Edições Bagaço, Recife – PE, 2006 , pág. 171/181 (Cap. 12), de autoria de Teresinha Queiroz

_______

NOTAS:

1 FREITAS, Clodoaldo. História de Teresina. Diário do Piauí, n. 24 a 71, 24 mar.1911 a 3 abr. 1912. Publicação em folhetim. FREITAS, Clodoaldo. História de Teresina. Teresina: Fundação Cultural Mons. Chaves, 1988.

2 CHAVES, Joaquim (Pe.). Teresina: subsídios para a história do Piauí. Teresina (s. n.) 1952; CHAVES, Joaquim Pe.). Como nasceu Teresina. 2 ed. Teresina:  Fundação Cultural Mons. Chaves, 1987.

3 NUNES, Odilon. Pesquisas para a história do Piauí. 2.ed. Rio de Janeiro: Artenova,1975. v.4

4 MONTEIRO, Orgmar. Teresina descalça: memória desta cidade para deleite dos velhos habitantes e conhecimento dos novos. Teresina: Gráfica Júnior, 1978. 5v.

5 TITO FILHO, A. Praça Aquidabã, sem número. Rio de Janeiro: Artenova, 1975; TITO FILHO, A. Crônica da cidade amada. Teresina (s.n.), 1977; TITO FILHO, A. Teresina: ruas, praças e avenidas. 2.ed. Teresina: (s.n), 1986; TITO FILHO, A. Crônicas. Teresina: Secretaria da Cultura do Piauí, 1990.

6 MOURA, Francisco Miguel de. Ter-e-sina. In: RAMOS, Maria do Socorro Santana et.al. Postais da cidade verde. Teresina: Fundação Cultural Mons.Chaves., (1989. p. 12.

7  SANTOS, Cineas. Teresina. In: RAMOS et al, (1989), p.13.

8  ARAÚJO, V. de, Teresina. In: RAMOS et al. [1989], p.23.

9  NUNES, Nelson. A cidade revisitada. In: RAMOS et al.[1989], p.37.

10 REGO, Beth, Segunda fotografia viver Teresina.  In: RAMOS  et al. [1989], p.14.

11 PEREIRA, Hélio Soares. Teresina.  In: RAMOS et al. [1989], p.35.

12 ARAÚJO, V. de, Teresina. In: RAMOS et al. [1989], p.23.

13 ADRIÃO NETO. Ponte metálica. In: RAMOS et al. [1989], p.19.

14 PINHERO, João et al. Teresina em 1902. Teresina: Tipografia d’O Artista, 1902.

15 NEVES, Abdias. Um manicaca. Teresina: Campos Veras, 1910; NEVES, Abdias. Um manicaca. 2.ed.Teresina: Projeto Petrônio Portela, 1985; NEVES, Abdias. Um manicaca. 3.ed.Teresina: Corisco, 2000; BATISTA, Jônatas. Poesia e prosa Teresina: Projeto Petrônio Portela, 1985.

16 CASTELO BRANCO, Cristino. Escritos de vário assunto. Rio de Janeiro: Pongetti, 1968; CASTELO BRANCO, Cristino. Frases e notas. Rio de Janeiro: Pongetti, 1957; BRITTO, Antônio Bugyja de Sousa. Narrativas autobiográficas. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 1977. v. 2.

17 TITO FILHO,  1990, p. 33.

18 MOURA, [1989], P. 12.

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