TERCEIRA GERAÇÃO
Cenáculo
Piauiense de Letras
A 7 de setembro de
1927 foi fundado, em Teresina, o Cenáculo Piauiense de Letras.
Associação sui generis, o Cenáculo
seria uma Academia dos novos, pois que nele, composto de 30 cadeiras, se
assentaram jovens com a idade média de 20 anos, com uma única exceção: Eudóxio Neves, já em avançada idade. Outra
característica interessante: cada cadeira tinha por patrono um acadêmico da
Academia Piauiense de Letras. Era uma associação de jovens, e em torno e em
busca dos jovens intelectuais viveu o Cenáculo, embora com poucos frutos. Seu
percurso também foi marcado pelos pequenos jornais, especialmente O
Lábaro (que durou apenas quatro anos: de
Por sua importância
como movimento, numa época em que a literatura no Piauí entrava em recesso,
relacionamos todos os seus membros e respectivas datas de nascimento:
José Severiano da Costa Andrade (12.12.1906); Luiz Torres Raposo (10.12.1898); Júlio
Antônio Martins Vieira (27.03.1907); Wagner Cavalcante (21.12.1912); Antônio
de Sousa Lima Machado (?); Osires Neves de Mello (26.01.1905); Antônio Veras de Holanda (24.09.1902); Maria Iara
Neves Borges de Mello (?); Antônio
Martins Castello Branco (28.06.1911); Álvaro
Tito Castelo Branco (30.01.19030; Antônio
Bugyja de Sousa Britto (21.05.1907); Felismino de Freitas Weser (04.03.1895); Sebastião Albuquerque Vasconcelos
(20.01.1907); Jesus Augusto Medeiros
(29.12.1906); Othon do Rego Monteiro
(11.06.1903); Raymundo Sobreira Cardoso
(14.04.1908); Eudóxio da Costa Neves
(04.09.1878); Álvaro Alves Ferreira (22.01.1893); Antônio Neves de Mello
(05.02.1903); Alberto Abreu Chagas
(11.10.1905); Sylvio Carvalho (21.09.1897); João
Francisco Ferry (26.04.1895); Moacyr Araújo Ferreira (12.02.1907); Júlia
Gomes Ferreira (12.02.1907); João
Santos de Souza (07.04.1903); Benedito
Borges Barros (15.04.1908); Durvalino
Couto (?); Inocêncio Machado Coelho (17.05.1907); Antônio
de Pádua Rezende (14.07.1908);
e Othilia Carvalho e Silva
(31.10.1910).
Alguns dos que
fizeram parte do quadro do Cenáculo e o
deixaram por renúncia ou outros motivos, não figuram aqui. Mas outros, de acordo com suas obras, tais
como José Severiano da Costa Andrade,
Júlio Antônio Martins Vieira, Osíres Neves de Melo, Antônio Veras de
Holanda (um dos precursores do modernismo no Piauí), Antônio Bugyja de Sousa
Britto, Álvaro Alves Ferreira e João Francisco Ferry são selecionados para mais
detalhes biograficos textos.
O Cenáculo encerrou suas atividade em 1932, com a morte prematura de Antônio Neves de Melo, seu principal
idealizador, conta a historiadora Cléa Rezende. Esse marco não significa que a
geração neo-acadêmica se circunscreva
apenas aos anos que durou a instituição. As gerações tem dimenção biológica e
humana, não somente oficiais e juntam-se no infinito cadinho da história.
Sobre uma parte da
trejetória dessa entidade, o depoimento
insuspeito de Bugyja Britto – um dos seus membros mais ilustres –
é representativo, pela seriedade dos seus escritos históricos, memorialisticos
e literários:
“No período de setembro de
Não foi uma geração contestatária.
Alcançaria o status de geração apenas
no sentido biológico, mas a história lhe faz
justiça pelo que fizeram indiscutivelmente, embora seguindo os passos
da geração da Academia Piauiense de Letras dos primeiros anos do século XX. Do
final da década de 1920 até a década de
“Hermes Fontes, o glorificado poeta de “Apotheose”,
o dedicado espírito que passou pela terra a derramar as estrofes iluminadas dos
seus iluminados poemas, cansado de viver, alma a sangrar, coração apunhalado pelas
desilusões da vida, pôs termo à existência. (...) A gente moça quer bem a esse
poeta, ninguém esquece os seus magníficos poemas sentidos e sinceros, de um
ritmo perfeito e raro, modelados no estilo terso e inconfundivel dos que servem
à Forma e dignidade da Arte.”
O grande poeta piauiense desse período foi Benedito
Martins Napoleão do Rego (Martins Napoleão). Nascido em União–PI, teve sua
infância toda no Piauí e estudos também. Bacharelou-se pela Faculdade de
Direito do Piauí, em 1936. Teve uma vida
bastante movimentada, cedo foi residir em Belém, Salvador e Rio, seguindo a
sorte nos que nascem nesta região pelo desejo de crescimento e melhor condição
de vida. Mas a maior parte de sua existência foi no Rio de Janeiro, em virtude
mesmo de suas atividades profissionais, onde tornou-se conhecido e admirado.
Certo que teve sua mocidade no Piauí, mas só voltou a morar em Teresina a
partir de 1924 até 1946, quando volta à
Capital Federal.
MARTINS NAPOLEÃO
Martins Napoleão (1903 – 1981), poeta, cronista,
ensaísta, jornalista, advogado, professor, tradutor, orador, exerceu na administração pública estadual e federal
as mais importantes funções, inclusive a de consultor e diretor do departamento
jurídico do Banco do Brasil. Cultura clássica, enciclopédica. Uma das maiores
forças poéticas do Piauí. Com suas obras Do
Latim Castrense ao Romance, 1928, e Da Influência Dantesca na Poesia de Camões,
também do mesmo ano, inscreve-se dentro da característica da sua época. É
verdade que, ao estrear em 1927, com Copa
de Ébano, pratica já uma poesia diferente, revolucionária em relação ao que
existia antes no Piauí, mas ainda longe
do verso moderno de 1922.
Sobre a minha cabeça dolorida
cai,
de repente, a sombra do Destino
como
uma noite sobre a minha vida:
morre,
dentro de mim, quanto é divino
em
meio do caminho da subida
por
onde inutilmente peregrino.
Toda
esperança desaparecida,
tropeço,
pela treva, em desatino.
De
certo, alguém me impele, alguém me
arrasta,
Qual
uma pedra na descida escura
desta
montanha cada vez mais vasta.
Eu
sinto a sua mão, de quando em quando.
-
Sísifo é meu
destino, ó criatura!
e eu sou a pedra que ele vai rolando.
Dói
recolher, na concha da alma, o alheio pranto
-
orvalho a gotejar de
outras raízes...
Mas é
tão doce a dor de o transformar num canto
que console infelizes!...
O destino da Lira é como o das estrelas,
belas e inúteis, aparentemente:
mas a força vital e infinita que há nelas
faz brotar a semente.
O destino da Lira é o destino das rosas,
morrendo mas deixando o aroma que erra,
ou
no ar ou no esplendor das mulheres formosas,
como
um bem feito à terra.
Quase toda a sua
poética é de feição simbolista e classicizante, não obstante desde a primeira
obra praticasse timidamente o verso solto. Ele próprio confessa, em carta ao
crítico Herculano Moraes: “Se me fosse
possível definir-me, diria que sou neo-clássico
– um clássico renovado e em permanente
renovação; romântico no fundo e clássico na forma.”
Tanto é verdade a
autodefinição como neo-clássico que, passada a onda modernista, volta ao soneto,
aos modelos clássicos e a um simbolismo mitigado. A difusa melancolia de seus
versos acredita dever à influência que recebe de Keats e Shelley.
Mas, em Poemas da Terra Selvagem, de 1940, é um
pouco diferente. Prelúdio bem representa a maioria dos estampados naquele livro,
quando se dá sua maior aproximação com os modernistas de 22:
As
árvores aqui são tão altas
que
as estrelas cansadas dormem nos seus galhos.
E há
silêncio nos seus vales
que o
sol da tarde pára, admirado, em cima das montanhas.
Os
pássaros têm um canto tão bonito
que a
madrugada nasce mais cedo para os ouvir.
E a
noite é tão clara
que
as almas pensam que seja uma lagoa de se banharem.
Há
tanta riqueza
que
as águas mortas dos pauis brilham de noite
fabulosamente:
é um
delírio tão grande como o da febre dessas águas
A luz, de tão intensa,
atravessa a alma dos meus patrícios:
é por isto que há tantos poetas
na minha terra.
Outros livros: Poemas
Ocultos, 1930; Caminhos da Vida e da
Morte, 1941; Poemas Humanos e Divinos, 1942; O Prisioneiro do Mundo, 1943; Opus 7, 1953; O Oleiro Cego, 1956; Três
Cantos do Paraíso. 1961; Pequena
Antologia de Poemas Alheios, 1960; Tema,
Coral e Fuga, 1966; Três Cantos do
Purgatório, 1961; Epopéia Camoniana, 1972, e Cancioneiro Geral, 1980, além de seus
inúmeros ensaios literários, políticos e educacionais.
PRINCIPAIS PROSADORES
Bugyja Brito (1907 - 1992) foi comerciário,
jornalista, professor, funcionário público. Formou-se em direito no Rio, em
1933. Homem inquieto, historiador, folclorista, escreveu poemas, crônicas, contos
e crítica literária. Estréia em poesia: Muralhas,
1934. Na literatura piauiense sobressaem seus trabalhos em torno das lendas
indígenas Miridan, 1961, e Zabelê, 1962, só um pouco prejudicadas
pelo tom romântico da narrativa. Itains
(1967) e Traços em 5 Biografias
(1987), crítica, e suas memórias incompletas, Narrativas Autobiográficas-I, 1977,
também são fontes seguras, vazadas em
boa forma.
De Zabelê, lenda romanceada, eis um pequeno trecho:
Naquela tarde avermelhada por manchas
sanguíneas do poente, sem nuvens multicores pairando no céu e sem luz
causticante oprimindo a atmosfera, Zabelê andava, desprevenida, em veredas que
lhe eram comuns, por isso que elas se situavam em terras de seus pais.
Entrara em ridente capão que o Itahim
cortava de leste a oeste..
Era do seu agrado ver as águas desse
rio, e, por isso, costumava margeá-lo em grande extensão; quantas vezes remando
a tosca igara sobre ele, ou a pé, barrancando os lados, não lhe eram familiares
o leito e as terras por onde passava!...
Poético Itahim, cujo sentido dá a
idéia de que corre entre pedras pequenas, de que as suas águas ondeiam entre
cascalhos e lajes que não têm a brutalidade e a dureza das rochas
milenárias!...
Zabelê acompanhava agora o Itahim.
Penetrando o ridente capão, enfeitado por árvores augustas e medíocres
cerrados, os seus passos quebravam o silêncio reinante; a ressonância que estes
provocavam era levada para longe, morrendo distanciadamente entre os augúrios
abençoados do sol-posto.
(...)
Ah, que dizer da poesia que as sombras
existentes e as múrmures águas que sempre passaram, puderam, alguma vez, provocar
a inspiração de Alguém, cuja alma jaz por aí ?...
Zabelê, a princípio, cisma. Depois olha a paisagem e crê ouvir uma lírica
balada, que, por certo, esse Alguém compôs, ternamente. Pareciam-lhe que os
sons, capazes de ferirem a sensibilidade de tudo o que tem vida, se reproduziam
ao arrepio da sua vívida audição:
- Sombras que
confortam os homens, que enternecem as cousas e que dão vida aos seres, deixai,
por favor, que eu sinta, adolescentemente, os bens que vós dais! Sombras que
proporcionam alegria e prazer a todos os que vos procuram, deixai que eu receba
as bênçãos que espargis, liberalmente! Sombras que convidam a outra Vida...
Cristino Castelo Branco (1892 – 1983), conferencista, crítico literário, memorialista,
jornalista, poeta. Advogado, bacharelou-se em Recife, 1911, obtendo o primeiro
lugar numa turma de 137. Foi professor do Liceu, da Escola Normal, da Faculdade
de Direito do Piauí, juiz de direito, procurador geral da Justiça, desembargador
e presidente do Tribunal de Justiça do Estado. Escreveu e publicou grandes
trabalhos na área jurídica, mas veio a estrear na literatura, tardiamente, como
os de sua geração. Publicaria apenas: Homens
que Iluminam, 1946; Frases e Notas, 1957; Sonetos, 1962; e Escritos de Vário Assunto, 1968. Postumamente, sobre ele, a Academia
Piauiense de Letras publicou Cristino, Vida Exemplar, 1992. De
estilo claro e limpo, era correto na informação. Seus coetâneos dizem que
possuía uma memória fabulosa. Por esta e outras razões escolhemos dois trechos de
seu livro “Frase e Notas”, pois nele
o memorialista se transforma em cronista de muito bom gosto e vasta emoção, finalizando
com o soneto “Um milagre, talvez, desta saudade”:
Em 1923 estive pela primeira vez no
Rio de Janeiro. Fui ao enterro de Rui Barbosa, guia e ídolo do meu liberalismo
político e de meu amor à pureza vernácula. A “Replica”, as “Cartas de
Inglaterra”, os discursos da campanha civilista e os proferidos no Senado, em
oposição ao governo do Marechal Hermes, faziam, há muito, as delícias do meu
espírito. Vi o mestre depois de morto, na Biblioteca Nacional, onde o seu
corpoesteve exposto à visitação pública, e ouvi, despedindo-se dele, no
cemitério São João Batista, as vozes eloquentes de João Mangabeira e Rafael
Pinheiro.
Dezesseis anos depois, na sua pópria casa
transformada em museu e biblioteca pública, patenteei numa conferência, perante
numerosa assistência, toda a minha admiração pelo idealismo assombroso e militante
de sua grande vida.
Bem diferente de hoje era aquele
Rio de Janeiro de 1923: sem filas, sem cofap, sem carestia de vida, sem crises
de habitação e de transporte; mais ordem, menos tropeços, mais moralidade.
(...)
Há ainda um mundo de notas... que
ficam para depois. Delas, retiro uma, para remate deste capítulo.
– Na cidade em que nasci, alegre
e cheia de sol, as coisas mais belas são a Igreja de São Benedito e o rio
Parnaíba. Este, obra de Deus para o homem.
Tão grande é em mim a presença do rio, que,
certa manhã, ao despertar aqui, nesta cidade, sentei-me à secretária, e escrevi
quase automaticamente o seguinte: -
O Parnaíba vive na minh’alma,
Em sonhos, vejo-o. Se
ando, vejo-o ainda.
Que quer comigo
assim o rio em linda
Aparição por onde sigo em
calma?
Olho
Paisagem d’outrem,
que no azul se espalma,
E muito bela a todas leva a palma,
Meu pobre olhar
cansado, desde a vinda
Que da terra natal
me separou.
Em vão perquiro a
causa de viver
O rio assim a andar por onde vou.
Um milagre, talvez,
desta saudade,
Que o faz presente dentro
do meu ser,
Inundando-o de paz
e eternidade.
Lili Castelo Branco (1896 – 1993), portuguesa,
mudou-se para o Brasil aos dois anos de idade, indo residir com os pais
Lilizinha Castelo Branco do Carvalho (1919–1980), filha
de Lili Castelo Branco é igualmente romancista, cronista, contista. No Rio,
onde morou algum tempo. Colaborava nos jornais. Ganhou concurso de contos da Revista
Doméstica.
Seu melhor livro é o romance Quinze Anos
Depois, 1977.
Retardatárias, Lili
e Lilizinh, mãe e filha, numa forma conservadora, ambas transpõem a vida da
elite para a ficção, sem nenhuma novidade do ponto de vista estilístico. Naturalismo de belle époque. A escrita da filha é mais recriada, mais polida.
Lili Castelo Branco, ao contrário, se aproxima da crônica e dos relatos
da memória.
Cunha
e Silva (1905 - 1990) é o nome literário de
Francisco da Cunha e Silva nascido em Amarante e falecido
Cunha e
Silva foi também diretor do Liceu Piauiense. Foi contista bissexto e poeta a
partir dos sessenta anos, em geral, sonetista, dado que felizmente consta da
apreciação crítica da obra de Herculano Moraes, Visão Histórica da Literatura Piauiense. Além disso, foi orador de
amplos recursos e polemista respeitado, dotado de enorme talento para o
sarcasmo; pronto a demolir o adversário no terreno das idéias, sabia encontrar os pontos mais vulneráveis e
o retrato mais caricatural do opositor na troca de farpas e catilinárias
pulverizadoras de valores consagrados ou não. Haja vista a polêmica que
sustentou com A. Tito Filho anos atrás. Na história do jornalismo político e
doutrinário piauiense a obra de meu pai ainda está a merecer estudos sérios (o
que não o fez, não sabemos por que motivos, Celso Pinheiro Filho, na sua História da Imprensa Piauiense, 1972,
onde o nome de meu pai é apenas citado de passagem), visto que, em revistas e
sobretudo em jornais do Piauí, poucos como ele souberam manter uma assombrosa
produção – ininterrupta! – durante mais de meio século de jornalismo combativo.
Intransigente com a correção linguística, possuía, entretanto, um estilo claro,
em linguagem de hoje, diria tinha uma escritura legível, fruto de uma longa prática
de redação, aliás, aprendida em muitos anos de leitor voraz da grande
literatura universal. Tinha ainda bossa para a apreciação literária, a se ver
por alguns comentários que escreveu sobre livros que recebia de escritores. Foi
professor de francês durante muitos anos, no saudoso Ginásio “Des. Antônio Costa”.
Quando muito jovem, pertenceu ao Cenáculo Piauiense de Letras, para cujo
ingresso concorreu, segundo me afirmou, com um longo estudo sobre a poesia de
Da Costa e Silva, trabalho que infelizmente deve ter-se perdido. (Publicado no
“site” Usina de Letras, em
10 de agosto de 2003 – página de Francisco Miguel de Moura).
POETAS MAIS CONHECIDOS
A linguagem sertaneja
de João Ferry, plena de humor; a poesia simples, popular de R. Petit; a linguagem cabocla Hermes Vieira;
os sonetos e trovas de motivação de Oliveira Neto tendo por motivo a natureza e
a vida do interior; e, sobretudo, o versátil, profundo e singelo Domingos
Fonseca – todos concorrem para reatar a
tradição de nossa poesia popular, improvisada, de cantadores, cujo melhor
exemplo é a Lira Sertaneja, de
Hermínio Castelo Branco, conforme foi muito bem esclarecido por João Pinheiro,
no seu livro de Literatura Piauiense,
de 1937.
A alma do piauiense
está na sua poesia. Em toda ela há um sumo de terra, gado, costumes arraigados
e folclore, e a ingênua simplicidade do habitante desta região. O espírito de
Da Costa e Silva, atualizado e vanguardeiro, sonhou e realizou isto, sem deixar
de ser o poeta do universo. É que as contribuições da modernidade e do fazer
artístico, as conquistas da humanidade não nos são infensas, embora nos cheguem
com bastante atraso.
As duas variantes –
a poesia popular e a clássica – se interpenetram e se confluem em todas as
gerações de literatos piauienses.
João Francisco Ferry (1895 – 1962). Auxiliar de
comércio e guarda-livros, depois jornalista muito participativo. Poeta, trovador e teatrólogo. Escreveu algumas peças no estilo folclórico,
retratando ou satirizando o povo da roça. Publicou: Princípios,
1914; Os Meus Sonetos, 1916; Em Busca de Luz, 1922; O Cabeção, 1937; Chapada do Corisco,
1952; e Meu Brasil, livro publicado no ano de sua morte, que não chegou a
circular por causa dos erros e imprecisões que continha. Teatralizou e poetizou
as lendas, portanto era também um folclorista. Um dos poemas que ficou famoso
foi “Marias”:
Marias,
nem sei quantas, nem sei quantas,
Nem
sei quantas Marias e Marias,
Nem
sei quantas Marias, quantas santas,
Passaram
pela ronda dos meus dias.
As
Marias do Amparo foram tantas,
Que
as outras não tinham primazias,
Mas
tu, Linda-Maria, tu suplantas
Todas
elas em graças e harmonias.
As do
Socorro, das Mercês, das Dores,
As de
Lourdes, do Carmo, do Rosário,
Também
souberam conquistar amores.
Muitas
outras conhecem minha história,
Mas
só tu, de Jesus, és meu fadário,
No
supremo esplendor de eterna glória.
Domingos Fonseca (1903 – 1958), poeta
repentista, considerado o maior do Piauí, nos últimos tempos. Nasceu
Cedo,
deixei a minha terra amada,
Trazendo
n’alma uma saudade ingente;
Julgando,
em breve, transformar-se em nada,
Mas...
enganei-me, continua ardente.
Como
poeta, não julguei que fosse
Meu
peito um cofre de saudade infinda;
Minha
esperança de voltar, findou-se,
Mas a
saudade continua ainda...
Segue
meus passos, vai comigo à cama,
Está
junto de mim quando desperto,
Sempre
a meu lado, contemplando o drama
Dos
viajores sem destino certo...
Moço,
e já tenho padecido tanto,
Que a
própria vida não me satisfaz,
Meu
coração é como um campo santo,
Onde
só mora quem não vive mais.
Mas
sou culpado do que me acontece,
Ninguém
minora os sofrimentos meus,
Pois
acredito que até Deus esquece
O
filho ingrato que abandona os seus.
Fez-me partir em lágrimas banhado
-
Qual barco errante, sem seguro porto:
Razão
por ser eu hoje um torturado
Por
saudade, tristeza, desconforto.
Para
não ser meu sofrimento eterno,
Para
que chegue ao fim minha agonia,
Se me
prometes teu perdão materno,
Eu te
prometo regressar um dia...”
R. Petit (1894 – 1969), pseudônimo de Raimundo de Araújo
Chagas, nasceu em Belém e morreu em Sorocaba, SP, mas a maior parte de sua vida
útil viveu em Parnaíba, colaborando constante com os jornais, com o “Almanaque
da Parnaíba” especialmente. Era trovador, poeta, jornalista, teatrólogo. Seus
livros: Ante os Abismos da Vida,
1921; Livro de Miss Piauí, 1929; Nortadas, 1937. Escreveu para teatro: Chuta, meu Bem, Noite Sertaneja, Caiçara. Autor do “Hino da Cidade
de Parnaíba”. Deixou muitos inéditos. Participou de várias antologias,
inclusive de A Poesia Piauiense do
Século XX, 1995, organizada por Assis Brasil, de onde tirou-se o poema
“Papagaios de Papel”:
Quando
eu era pequenino, venturoso,
Meus
lindos papagaios empinando,
Dizia:
- Não há nada mais pomposo
Que
um papagaio de papel voando.
Cresci!...
Hoje,
tristonho, pesaroso,
Esses
brinquedos de papel, olhando,
Logo
descubro o vulto carunchoso
Dos
que sobem a tudo se apegando.
Tipos
que sobem de alma feita em trapos,
Mostrando
ao mundo, despreocupados,
Uma
cauda nojenta, de farrapos...
Tipos
de nulidade tão cruel!
Que
só sabem subir encabrestados
Como
esses papagaios de papel.
Júlio Martins Vieira (1905 - 1984) foi professor
durante décadas. Pertenceu ao Cenáculo
Piauiense de Letras e à Academia Piauiense de Letras. Exerceu também o jornalismo,
imprimindo e enriquecendo com sua crítica e o característico humor. Poeta,
sonetista, escreveu pouco. Publica Canto
da Terra Mártire, 1977, reunião de seus poemas, já quase no fim da vida.
Dele disse Menotti del Picchia: «Seu
Canto, dentro do espírito do seu tempo, tem majestade, emoção e poesia.»
Eis um
exemplo de sua poesia no soneto “Amor”:
Bendita maldição que vem do inferno,
Oh
taça de veneno! Vandalismo!
Loucura de viver, sofrer eterno,
Sino
do bem na sé do fanatismo.
Amor!
Fonte de fé, outono, inverno,
Amor! Força, Matéria, Dinamismo,
Que faz do ser vivente um verso terno,
Que faz da abstração um concretismo.
Amor, vinho do porto da Ventura,
Punhais
ornando em cruz e sepultura
Da
dor que se afogou no mar da Mágoa.
Amor! Força matriz! Afinidade
De corações que a lira da saudade
Banhou nos olhos turvos rasos d’água.
Hermes Vieira (1911
- ?) nasceu na Fazenda Caiçara,
naquele tempo pertencente ao município
de Valença do Piauí, hoje Elesbão Veloso. Com poucos estudos, torna-se poeta
popular, folclorista e cronista. Depois, como policial, conhece a Amazônia. Sua
obra poética é comparada à Lira Sertaneja,
de Hermínio Castelo Branco, pelo Prof. A.Tito Filho. É autor de poucos livros: Nordeste, 1980, e Piauí Sertão, 1988, mas continua produzindo e guardando muitos
inéditos. “Como Catulo, os poemas de
Hermes Vieira não exploram apenas o interiorano ou a linguagem caipira, como são exemplos de
vernaculismo...”, escreve Assis Brasil,
Mas não podemos deixar
de transcrever o soneto “Piauí”, abertura do livro Piauí Sertão:
Teus montes, as montanhas e
as colinas;
Teus vales ubertosos, florescentes;
Teus campos matizados, sorridentes;
Teus brejos fabulosos de
águas finas;
Teus rios, tuas fontes cristalinas;
Teus lagos pequeninos, transluzentes;
Teus bosques perfumosos, viridentes;
Teus belos chapadões, tuas campinas;
Teus ricos e pomposos estendais
De flores e de frutas naturais,
De lindas borboletas multicores;
De ledos e canoros passarinhos,
São tudo para mim dourados ninhos,
São bálsamos que acalmam minhas dores.
Pedro Britto (1882 – 1955) é o nome
literário de Pedro de Alcântara de Souza Britto. Historiador, contista, jornalista
e poeta, nascido
Gerusa – eu parto tímido, silente,
Cansado viajor, mudo e
tristonho...
Mas, ao partir, nos lábios
teus deponho,
Dos meus beijos – um beijo
onipotente!
Vejo de longe o teu perfil
ardente,
Nas alvoradas místicas do
sonho;
Do sol do teu amor branco e
risonho
Eu quero um raio franco e
permanente.
De ti
jamais me esquecerei, jamais,
Enquanto
palpitar-me o coração,
Desfeito
em dor, em pesarosos ais!
Seja
o teu nome um céu de luz, de calma,
Harpa
sonora, lira de Sião,
Cantando
hosanas dentro de minh’alma!
Luís Lopes Sobrinho (1905 - 1984), magistrado, jornalista, professor e poeta,
membro do Conselho Estadual de Cultura e da Academia Piauiense de Letras. Lírico,
muitas vezes epopéico, outras satírico, principalmente quando versejava para
celebrar as circunstâncias, onde sempre se portou com elegância e decência. Bom
sonetista. Publicou Vozes da Terra,
1980, com seus versos mais preciosos. Livro póstumo: Herculano Moraes, com
apoio da Academia Piauiense de Letras,
publicou o livro Em Prosa e
Verso, Teresina, 2005, de onte tiramos o texto “Dúvida” , inicialmente
publicada em jornal:
“Esta coluna é para você, Margot. Você que na
terça-feira última tão bem, tão expressivamente, definiu a dúvida, esse
sentimento de incerteza que tantas vezes martiriza a nossa alma e em tantas e
tantas ocasiões solapa o nosso entendimento, perturba a nossa mente e esmaga o
nosso coração. Essa crônica é para a Margot jornalista. Não para a Margot
mulher, a Margot real e humana que não conheço, a Margot que não sei se é
um brotinho inteligente e brejeiro, como
a Conceição Castelo Branco, se uma respeitável e virtuosa mãe de família, como outras cronistas de
nosso jornal.
É ela a Margot-inteligência, Margot-estilo,
Margot-arte É, pois, para o transcendental que escrevo. Para o espírito.
Parabéns, Margot, pela delicada peça literária saída
de uma inteligência iluminada, de uma pena admirável. Você foi muito feliz nos
conceitos expendidos, dizendo tantas cousas belas em tão poucas linhas.
Mas você se referiu à dúvida traduzindo desconfiança, suspeita, temor.
Confesso-lhe, ilustre confreira, que, em referência à dúvida, sob esse aspecto,
não na conheço, não na conheci jamais.
Sou um homem feliz. Ou melhor, sou um velho feliz,
pois no último janeiro completei meus 65 invernos bem vividos.
Possuo uma mulher boa e honesta, a toda prova
virtuosa e santa, que jamais me deu motivos para a mais leve consumição de
dúvida.
Minhas filhas, herdeiras dos nobres sentimentos de
honestidade e inteireza de caráter da mãe, também ainda não me arrastaram ao
terreno doloroso e triste de uma dúvida, por pequena que fosse.
Mas você, Margot, esqueceu-se de definir a
dúvida-incerteza, a dúvida-indecisão, esta que nos deixa às vezes num terrível
dilema entre o bem e o mal, entre a locura de uma paixão e o dever a ser
cumprido, entre um amor impossível e os laços indissolúveis de uma união,
solenemente jurada aos pés do altar. Essa, Margot, a dúvida que conheci em
minha mocidade, dúvida que me torturou a alma, que me confrangeu o coração.
Confesso-lhe, Margot, o meu pecado.
Ela era bonita, meiga e envolvente.
Apaixonei-me loucamente. Não me condena, Margot, sou
poeta.
Se não fora, o senso de responsabilidade que
infelizmente falta a muitos homens, certamente, Margot, eu teria resvalado para
o abismo.
Venci, bondosa Margot, mas sofri, sofri muito.
Eis aí, Margot, como descrevi o martírio da minha
dúvida há trinta anos, irrefletidos, para que pensem e possam recuar em tempo,
como eu, graças a Deus, procedi.
Dúvida
Melhor me fora nunca ter-te visto!
Melhor
me fora não te haver falado!
Pois,
se a razão me aponta a lei do Cristo,
O
coração me põe a lei do Fado!
Dentro
em meu ser, apavorado, assisto
À luta
entre o dever e o sonho amado!
Se não
te vejo, já, não mais existo;
Se te
revejo, sou ressuscitado!
Dura incerteza me tortura a vida;
Cruel tormento me devora, enquanto
Busco,
sofrendo, a verdadeira paz!
Anjo
divino! Ó minha flor querida!
Não sei
se te querendo peco tanto!
Não sei
se te esquecendo peco mais!
Maria Isabel Gonçalves Vilhena, conhecida por Nenen Vilhena (1896 - 1988), era
professora secundarista, poetisa e cronista. Segundo Hardi Filho, sua poesia «encanta pela doçura e pela leveza da
expressão». Pertenceu também à Academia Piauiense de Letras. Bibliografia: Seara Humilde, 1940, e Nada, 1944. O poema “Alma das Coisas” é
uma bonita mostra de sua alma também:
Olhando
a serra, lá distante,
E o
sol que sobre a serra desce,
Escuto
neste instante
O
pássaro feliz e as flores da campina,
O
arvoredo que vive sem saber
Agasalhando
a paz dos ninhos,
Dizerem
sua prece !
E
quando no horizonte o dia acorda,
Na
pompa da alvorada,
À
hora virginal do amanhecer,
É
para mim como se eu mesma visse
O
próprio Deus olhando para o mundo !
Então,
minha alma reza ajoelhada,
Em
silêncio profundo,
A
prece mais bonita que eu já disse
E que
a ninguém na terra vou dizer!
Ao
ver o rio deslizar sereno,
Na
sua vida plena de bonança,
Nessa
marcha saudosa de partida,
Refletindo
no espelho de águas mansas
Um
retalho do céu todo estrelado,
Os ninhos
e um pedaço da montanha,
Eu o
comparo àquele que, na vida,
É bem
feliz, porque o rio
Sonha
acordado...
E sem
saber que sonha !
Oliveira Neto, nome completo José Ferreira
de Oliveira Neto (1907 - 1983). Bacharel em direito,
funcionário público federal. É daqueles que publicam muito tarde, mas, uma vez iniciando, não deixam mais de
publicar. Ícaro, 1951, foi sua
estréia. Poeta prolífico. Foram nove livros, sem contar Trovas da Agonia, que saiu postumamente. Apesar de seu
isolacionismo, sua forma de vida anti-acadêmica, aceitou entrar para a Academia
Parnaibana de Letras (APAL). Selvagem é o soneto que melhor e
mais simplesmente o exprime:
Dentro de mim existe uma floresta,
Mata virgem, esplêndida, selvagem.
Há um bugre espiando em cada
fresta
Dos postigos de minha
personagem.
Há senzala e um engenho de
moagem,
Farinhada, alambique – obra
modesta,
Patativas cantando na ramagem
E minha alma vivendo sempre
em festa.
Há um rio gemendo e soluçando...
Cascatas, cachoeiras, pororocas,
Espumas alvacentas
flutuando...
Eu sou o representante da
beleza:
Dos astros, dos mendigos, das
minhocas,
De tudo o que nos deu a Natureza!...
Almir Fonseca (1918 - 1972) é um poeta bem
aproximado do simbolismo. Odontólogo e jornalista, não publicou livro
De onde vim?
Quem sou eu? Para onde vou?
Perguntas que não foram
respondidas,
E que ninguém jamais as
explicou
Durante vidas, sucessivas
vidas...
A inteligência humana aí
parou;
Pois as respostas todas
conhecidas
Não definem o que se
perguntou
E permanecem
incompreendidas...
Os filósofos, sábios, cientistas,
Físicos, químicos, naturalistas,
Há séculos estudam, sofrem,
suam,
E as respostas nenhum jamais
achou:
- De onde vim? Quem sou eu? Para onde vou?
E os profundos mistérios
continuam...
NOMES
MENOS CONHECIDOS
O Piauí tem sido
muito fértil em poesia e os poucos prosadores quase sempre são poetas também,
isto é, praticam o verso, especialmente nesse perído de
Ozsires Neves de Mello (1905 – 1964) –
Funcionário do antigo Fomento Agrícola,
para não sair de Piripiri, onde nasceu, quando transferido, pediu demissão e
passou a ocupar o cargo de tesoureiro na Prefeitura Municipal. A cidade de
Piripiri deu seu nome a uma rua e criou,
para sua memóra, a Casa “Osíres Neves de Melo”. No Cenáculo, sua cadeira era a nº 6,
patroneada por Antônio Chaves. Poeta e
prosador, na época era costume usar pseudonônimos e assinava matérias como Ítalo
Seven, Ítalo d’Alembert ou Ítalo
d’Arentino. Dele, é tanscrito o soneto Romântico
Como um sonho de luz, na minhas estrada
Passaste... E ao ver-te os olhos doloridos,
No grande anseio dos desiludidos
Parei a olhar-te de alma deslumbrada.
E na minha existência amargurada,
Na tristeza real dos meus sentidos,
Tu contaste aos meus sonhos comovidos
O poema de beleza iluminada.
Cantaste... E a tua voz, serena e calma,
Espalhou, suavizando os meus abrolhos,
Doce consolação sobre a minha alma.
Hoje trago, nos sonhos meus perdidos,
A tua imagem dentro dos meus olhos
E tudo que cantaste, em meus ouvidos.
Da pesquisa feita
pela Profª Cléa Rezende Neves de Mello e publicada com o título de Cenáculo Piauiense de Letras – Compromisso
e Memória (1927-1997), escolhemos
mais os seguintes autores e textos:
Wagner Cavalcante – Nasceu em 21 de dezembro
de 1912. Membro do Cénaculo Piauiense de Letras, cadeira nº 04, que elegera
para patrono Crommwel de Carvalho. Sonetista.
A amostra é de um dos primeiros poemas do autor.
Transfiguração
Alta noite, entre a luz e os sulcos do espaço,
tendo a alma delirante e o espírito profundo,
sinto às vezes o ritmo e as essências do mundo
que torturam meu sonho e conduzem meu passo...
Beijos quentes de amor, que, entre vozes, confundo,
vibram cheios de sons, sem estranho compasso...
E o esplendor que me cerca e o silêncio que faço
são a glória e a emoção de um milagre fecundo...
Sombras mortas, sem gestos, e olhar que transfigura,
tudo aquilo que é sonho e que o sonho enclausura,
brilha sempre no céu, embora a terra o encarne...
E no espaço sombrio, alta noite, eu pressinto,
sob o canto do amor, na apoteose do instinto,
corpos feitos de luz... e almas feitas de carne...
Jesus Augusto Medeiros - Nasceu a 29 de
dezembro de 1906, titular da cadeiranº 14, do Cenáculo Piauiense de Letras,
cujo patrono era Mathias Olímpio de
Mello. Assinava apenas Jesus Medeiros. Poeta, praticou o poema em prosa bem
representativos da época:
Pétalas
Murchas
Jazem no chão, fragmentadas, as pétalas
murchas, arrojadas ali pela
impiedade
de umas mãos frenéticas.
De manhã, no esplendor do seu perfume estonteante,
elas pediam da haste, na pompa magnífica de sua floração.
Agora, são apenas ruínas inodoras,
disse: - minadas e pisadas...
Triste destino dessas pétalas
murchas que, como as rosas de Malherbe cantou, só florescem no espaço de uma
manhã de névoa.
Terra
torturada
Lassidão
Nas
charnecas desertas. Na terra que esbraseia. Esse pedaço da natureza, onde há a
desolação e o aniquilamento, onde nem urzes vegetam, seco, árido, combusto, miserável,
parece sofrer na sua mudez perpétua e irremediável, a tortura secular de um
destino ingrato como se um deus possante e enfurecido o acorrentasse para
sempre, na desesperada e suprema inércia da terra que sufoca. Não há a doçura
das sombras, a harmonia dos painésis coloridos, o claro dos horizontes
dilatados. Nas suas entranhas não foi fecunda a semente boa, o seu solo não
ouviu a cantiga doce dos ceifadores, o seu seio não recebeu o suor dos titãs do
machado.
É a terra torturada, a receber
eternamente o castigo do sol sem misericórida.
Antônio Martins Castello Branco – Nasceu em 28.06.1911, ocupou a cadeira nº 9, do
Cenáculo, que tinha como patrono Celso Pinheiro. Poeta de forte dicção e bons
recursos, comparece neste rol com o poema “Estrada Torta”:
Caminho estreito, poeirento e torto,
Caminho torto, estreito e poeirento
É o desta vida só de sofrimento,
De misérias, de dor, de desconforto...
Da ventura, jamais achei o porto,
Só da desgraça me bafeja o vento,
E eu trago nalma o triste desalento
Dos que vegetam sem achar conforto...
Na minha frente já não vejo o bando
De brancas ilusões de cor nevada,
Que pela estrada, mortas, fui levando...
Já nem um sonho me encoraja e alenta,
E vou seguindo pela mesma estrada,
- Estrada estreita, torta e poeirenta.
Só da desgraça me bafeja o vento,
E eu trago nalma o triste desalento
Dos que vegetam sem achar conforto...
De diversos jornais da época, através de
pesquisa exaustiva realizada pela professora, escritora e pesquisadora Áurea
Queiroz, foi possível extrair alguns textos
bastante significativos, exceto o de Berilo Neves, que foi colhido na internet:
Machado Coelho, nome literário de Inocêncio Machado Coelho, nascido
em 17 de maio de 1907, membro do Cenáculo Piauiense de Letras, cadeira nº 28,
cujo patrono era o acadêmico Jonas da Silva. Uma lenda sob a forma de
crônica é seuu texto mais signficativo,
encontrado nos jornais da época:
Lemda sempre renovada
–
Canta, Colombina, uma canção ligeira como um sopro, porém capaz de encher a
noite de harmonia!
E a
Colombina, com os olhos cor de enxofre e a boca de coral, pôs-se a olhar o céu cheio de estrelas e a
sorrir vagarosamente.
Ele
suplicou de novo, ajoelhando-se levemente e tangendo na bandurra uns sons
nervosos que os dedos, esfolando as cordas, jogavam como beijos...
Ele ficou
a sorrir.
Canta,
Colombina!...
A
taça como uma pequena mão aberta, em cima da banquinha era quase vazia. Pela
cabeça dos dois a embriaguês do éter e da champagne bordava paisagens brumosas,
figuras incompletas em danças descompassadas...
–
Colombina, eu te amo!
A lua
veio por cima dos dois espiar por uma abertura das folhas.
O
Pierrot alvo, sentimental, romântico olhou-a tristemente e murmurou:
– Tu
és outra Colombina, mais esquiva do que esta...
Ela
sorriu de novo. Nos seus olhos bailava ainda, como uma sombra, o vulto do homem
audacioso, ousado, que a apertara na festa e machucara os seus lábios de seda
num beijo largo e violento. Ficara-lhe, como
lembrança, o sinal imperceptível do beijo. Enquanto o Pierrot, amoroso,
procurava conquistar a mulher pela alma e pelo coração, o outro a escravizara
pelos sentidos.
Achava
quase ridícula aquela figurinha esquisita, sempre lamurienta, do branco Pierrot,
que só pensava em conquistá-la com versos e cantos.
O
Pierrot, porém, insistia sempre:
–
Canta, Colombina!
Ela
fez, então, um gesto de enfado e saiu, num riso velado de ironia, pelo silêncio
da noite.
Moacyr Araújo Ferreira, jornalista
e prosador, nasceu a 12 de fevereiro de 1907, era membro do Cenáculo Piauiense de Letras, cadeira nº 23
(a publicação de Clea Rezende Neves de Melo não registra o nome do
acadêmico-patrono). Capricho de mulher é uma espécie de conto daquela época.
Capricho de mulher
Todas as tardes, na tristeza lilás dos ocasos,
quando o sol entre nuvens de sangue e cinza desaparecia no infinito e a noite
começava a descer com o seu manto de ébano sobre a cidade, a janela de uma casa
simples se abria e a gente via que uma figura de mulher, pálida e linda, alta e
esbelta, de cabelos de azeviche e os olhos escuros, como noites sem luar –
olhos que nos parecem abismos insondáveis, melancolicamente se sentava junto ao
balcão gótico da mesma e aí ficava a pensar, com a vista perdida no azul-roxo.
E assim os dias passavam e todas as tardes, à mesma
hora, reproduzia-se a cena.
Toda mulher tem na vida um grande e misterioso segredo.
Vamos conhecer o dessa.
Àquela hora mais triste do dia, sua casa se
entregava ao maior silêncio, só se ouvindo, de quando em quando, o andar trôpego
de uma mulher de cabelos brancos como a neve. Era a sua mãe. Vivia só.
A mulher pálida, sentada junto à janela pensava na
vida. Na vida remota, no tempo que era esposa e senhora do homem que lhe
conduzira, um dia, um dia de tarde cor de rosa, perante Deus.
A sorte ingrata havia-lhe arrebatado seu
companheiro. Via que seus castelos de ilusões se desmoronaram, talvez, para não
mais se edificarem. Sentia-se como um náufrago perdido em meio do oceano.
Contudo, era moça, podia ser feliz ainda. Mas era mister que uma mão lhe
arrancasse desse mar de tristeza.
Mas sempre essa melancolia a dominá-la? Que fazer?
Sacudir esse manto de tristeza e procurar um homem que lhe pudesse manter no
luxo em que vivera. Era sua resposta a essas interrogações. Mas esse homem não
aparecia. É que o homem foge, principalmente, da viúva que deseja casar-se.
Veio à sua imaginação um idoso comerciante. Seu fornecedor...
Todas as tardes, na tristeza lilás do ocaso, o
negociante vinha lhe ver. Ela era indiferente a esse amor, porque a juventude
não pode amar carnalmente a velhice.
Como são ridículos os velhos. A velhice é árvore que
não dá mais fruto.
Ela, logo após, possuía lindos vestidos, joias
caras, andando de auto, com muitos criados e um mundo de futilidades de mulher
chique. Em troca do seu sacrifício, ela o trazia subjugado a seus pés.
Por último a fortuna foi-se esgotando. Não tendo
mais dinheiro para manter a mulher, desprezado, suicidou-se.
A mulher seguiu a sua rota de luxo e conforto até
onde o recurso a permitiu, depois, procurou novo arrimo. Queria agora mocidade
e dinheiro. Travou relações com um estudante, filho de ricaços. Ele se
apaixonou, desperdiçou uma fortuna em
orgias borgianas... Seu pai cortou-lhe a mesada.
Acabou-se o amor dela por ele com novo relacionamento
– um oficial. Na alma do estudante ficou a saudade e a loucura do grande amor.
Procurou na volúpia do álcool o esquecimento para essa paixão. Tornou-se um
mendigo, um fantasma. Atirado nas sargetas, dorme. Desmantelou-se num capricho
de mulher...
A vida é assim com os seus casos comuns e banais,
mas profundamente humanos.
BERILO NEVES
Berilo Neves (1901 – 1974), nome literário de Berilo da Fonseca
Neves, nascido em Parnaíba – PI, viveu a maior parte de sua vida no Rio de
Janeiro, onde veio a falecer. Farmacêutico, militar, professor e jornalista, na
sua época foi um dos mais festejados escritores brasileiros. Seu tema
principal: a mulher, numa prosa irônica e às vezes sarcásica. Reformado como general
do Exército.
Escreveu
críticas para o Jornal do Brasil. Obras publicadas: A Costela de Adão, 1929; A
Mulher e o Diabo, 1930; Língua de Trapo, 1934; Século
XXI, 1934; Cimento Armando,
1936, entre muitas outras. O conto selecionado para esta antologia foi
publicado pela Editora Civilização Brasileira, em 1934, no Rio de Janeiro.
A última Eva
Quando o Malaquias (esse velho criado preto que me acompanha há vinte
anos) me trouxe os jornais,eu ainda gozava esse vago torpor delicioso que é
como o crepúsculo matinal do sono... Com desinteresse, e bocejando, abri o
Diário da República, cuja primeira página estava ocupada, toda ela, por uma
notícia de sensação, sob o título "O mundo despovoa-se de mulheres!"
Corri os olhos pelo jornal e logo senti a grandeza da catástrofe. Começava,
assim, a notícia do Diário da República:
“Telegramas de todas as partes do mundo
anunciam o aparecimento de uma epidemia cujos caracteres a tornam inédita na
história epidemiológica do universo. É uma doença estranha, ainda não
identificada pelos patologistas e que só ataca as criaturas de sexo feminino.
Em 24 horas morreram, na Rússia, cinco milhões de mulheres. Os seus maridos,
filhos, irmãos etc., nada sofreram,entretanto. Parece tratar-se. de um germe até agora desco¬nhecido e cuja
virulência só se revela no sangue das mulheres. Milionários
norte-americanos,recém-casados, tomaram os seus iates ou embarcaram nos grandes
transatlânticos com receio de que as suas esposas se contaminassem do
terrível mal, cuja mortalidade tem sido, até agora, de 100%. Mesmo a bordo,
porém, a doença se tem manifestado, tornando inúteis todas as medidas até agora
adotadas no sentido de salvar da destruição o sexo de Eva. Segundo o cálculo
dos cientistas, a não ser que se descubra um específico para a enfermidade,
dentro de uma semana o mundo estará totalmente despovoado de mulheres. O sábio
professor Banting, da Universidade de Filadélfia, acredita tratar-se de um
espirito,de virulência excepcional e crescente”.
Tomei o meu café, lentamente, pensando no que seria o mundo sem as mulheres.
A lembrança de antigos amores reviveu,
de súbito, no meu espírito, trazendo à flor da memória as alegrias e as
torturas que eles me tinham acarretado. É verdade que, naquele momento, não
gostava, realmente, de nenhuma mulher, mas quantos amigos meus, ainda estariam
apaixonados pelas suas esposas, ou pelos sucedâneos delas? E as senhoras, tão
distintas, das minhas relações, com quem me aprazia conversar, aos domingos, no
footing vespertino de Copacabana, ou nos jantares dançantes do Botafogo? Toda aquela
gente elegantíssima, perfumada, amando as belas frases e os belos
automóveis iria morrer por aí,estupidamente, vítima de uma doença de que não se
sabia, sequer, o nome?Essa perspectiva, tão sombria, que me encheu a fronte de
suor, viria a realizar-se, infelizmente, mais depressa do que o imaginava. A
tarde, já os jornais registravam os primeiros casos da moléstia que eu resolvi
chamar, de conta própria, a ginacose.
A Academia de Medicina, depois de três dias de discussão, aceitou o
neologismo que batizava a moléstia, mas não conseguiu arranjar um remédio para
as vítimas dela... E eu via a cidade despovoar-se de mulheres como uma praça
forte ameaçada pelo inimigo. A avenida, dantes tão iluminada de toilettes e
sorrisos de mulher, ficou sombria e triste. Os homens, de luto, passavam cabisbaixos
e pensativos. A ausência das damas caiu como uma catástrofe, na alma dos
homens. Elas eram - coitadas! - excelentes motivos ornamentais... Como é que se
poderia, agora, dar um baile, sem mulheres?... Ou animar o banho de mar, sem os
seus corpos nervosos, fremindo, seminus, sob o tecido fino dos maillots...?
No dia primeiro do mês, milhares de homens (sobretudo os noivos)
tinham-se suicidado. Alguns andavam alegríssimos, mas disfarçavam a satisfação
sob um sorriso convencional e uma frase triste:"Coitadas! Quem diria,
hein?... E fingiam que enxugavam uma lágrima
ao canto do olho. E a cidade ia retomando, aos poucos, o ritmo comum da sua
vida, quando uma notícia sensacional a envolveu, de ponta a ponta: tinha-se
descoberto uma mulher em uma das ilhas da baía! Era moça, de 17 anos, e de uma
beleza estranha. Segundo explicaram, mais tarde, os sábios da Academia de Medicina,
essa moça, de compleição robustíssima, tinha no sangue uma substância
qualquer (uma emolisina, se me não engano) que neutralizara o tóxico secretado
pelo espirito inimigo das mulheres. O fato é que o governo teve que recolher a
dama à Casa da Moeda, como um tesouro, porque 1.200.000 homens se tinham
proposto, ao mesmo tempo, para seu marido. A dama, que era pobre e tinha pelo
casamento uma atração ingênua,quase enlouquecera de alegria, e ficara indecisa
entre milhares de moços e velhos, ricos uns, poetas outros,apaixonados e
amantes quase todos...O presidente da República propusera-lhe casamento sob pretexto
de precisar garantir a continuidade da espécie e a salvação do gênero humano,
mas, logo, os ministros também se candidataram e ameaçaram o Estado de uma
revolução sangrenta. Ia resolver-se o caso por meio da loteria (entrando como
candidatos apenas os homens principais da República) quando se soube que a moça
fugira da Casa da Moeda com o tenente comissionado da guarda. A decepção, nas
altas esferas administrativas, foi, como pode imaginar-se, violentíssima. Por
toda parte mobilizaram-se forças à procura dos fugitivos, que foram, afinal,
encontrados
A CRÍTICA E OS CRÍTICOS
A época da geração do Cenáculo Piauiense de Letras foi pobre em criatividade
literária. Equivale a uma belle époque
desgarrada no tempo, nesta província praticamente ilhada e sem mar, aonde as
notícias e a literatura do Centroeste (Rio e São Paulo) vinham tardiamente, já
desbotadas e amarrotadas - se chegavam. Não havia crítica literária, daí porque
o que florescia era a poesia, geralmente de galanteio e amorosa como vimos e a
crônica social.
Mas, como diz a crônica de Mocyr da Costa Ferreira, “a vida... com seus casos
comuns e banais... profundamente humanos” era rica de beleza. Na pequena
burguesia e nas principais cidades como Teresina e Parnaíba a arte era quase
coisa do passado. Contava com a existência heroica de uma revista literária O
Almanaque da Parnaíba e nada mais, além de jornais e pasquins. O que valia
era o presente, um presente feliz, daí por que não havia necessidade de
crítica, salvo a política e religiosa, que infestava a imprensa.
Colhemos este pequeno exemplo de crítica
válida, de autoria de Veras de Holanda, poeta que conseguiu alcançar,
medrosamente, o verso modernista, como será registrado no capítulo MODERNISMO.
Crítica substanciosa, embora louvaminheira, onde situa um pouco do gosto
literário da época.
Choro
verde
Não
há choro verde, como não há choro azul, nem vermelho, nem preto, nem róseo, nem
lilás, etc. Só há choro branco, dirão. Martins d’Alvarez, no entanto, concebe-o
no fulgor de sua ardente imaginação criadora. Fez um livro de versos e chamou-o – “Choro Verde”.
Acham
extravagante o título?
Eu o
defendo: há choros de todas as espécies e de todas as cores. Cada qual verte o
seu pranto conforme as suas mágoas. Azul é o choro do firmamento nas tardes
silenciosas da evocação. Ninguém o vê, cai sobre as franjas dos horizontes
longínquos e se espalha depois sobre a terra, transformando em suaves
cintilações de estrelas, em tranqüilos resplendores de ouro. Vemelho é o choro
surdo das cicatrizes veladas no coração. É o choro das rosas cor de sangue do
outono. Preto é o choro angustioso dos
desgraçados. É o choro negro dos grandes infelizes. Róseo é o choro das noivas.
É o choro que nasce do amor e se cristaliza n’alma, povoando a vida de sonhos
acariciadores. Lilás é o choro-afeto e carinho. É o choro que se não define. É
o choro amantíssimo das mães. Verde é o choro das folhas verdes, machucadas por
mãos de virgens. É o choro das esmeraldas e das ametistas. Verde é o choro da
esperança, verde é o CHORO VERDE do
poeta que surge.
Abramos
o livro. Divide-se em três partes:
–
Horas do coração
–
Horas do cérebro
–
Horas da alma.
A
primeira foi feita para os que amam, a segunda para os que pensam e a terceira
para os que sofrem.
Não
indaguemos a que Escola pertence o poeta. Que nos importa a cor da chita? O que
devemos saber é se é tinta segura.
Se
Hermes Fontes, parnasianista, valia uma geração de poetas, Ronald de Carvalho,
modernista, assinala uma época.
Libertemo-nos
de toda e qualquer corrente literária. Não as consideremos como existentes.
Escrevamos à vontade. A arte não tem limites. Não deve, portanto, se prender ao
rigorismo ou desprendimento de uma determinada Escola. A arte é o artista. O
momento é que o faz. Só ele, pois apenas ele deve saber como principiar ou
acatar a sua obra.
Há,
em Martins d’Alvarez, uma grande virtude: É simples e espontâneo. Os seus
versos são correntes como os veios d’água da nossa terra selvagem, da nossa
terra queimada de sol. Como Bastos Portela,
Martins d’Alvarez não compreende o século que se passa sem um pouco de
“rouge” ou de “baton” nos lábios frívolos dessas melindrosas sapecas.
Vejamos: “Gosto sem distinção de todas elas! / Mas
prefiro as bonecas de bombons, / As bonequinhas simples, tagarelas, /
Comuns, misto de rouge e de batons”.
O poeta é irônico e na sua ironia
está o menospreso com que encara com que encara as coisas deste velho mundo. Ele
é quem nos diz:
“No meio deles, vivo
satisfeito,
Numa futilidade
harmonizada.
Não vês? Longe do amor, do preconceito,
A vida é uma “ pilhéria
apimentada”...
E mais adiante:
“A vida é para os
fúteis,
Para os adoradores do matiz!
Todas as realidades são inúteis,
Quando
a gente deseja ser feliz.
Se
ser fútil é iludir amarguras hostis,
Se
ser fútil é vencer o travo da verdade,
Bendita seja esta ilusão feliz,
Bendita seja esta futilidade”.
Bem,
não é preciso mais. Não há joio a separar do trigo. O poeta é poeta. Neste
ritmo e nesta suave espontaneidade, vai longe. Seu livro é bom. Mando-lhe o meu
aperto de mão pela feliz estreia e faço ponto aqui.
Veras de Holanda
DIGRESSÃO
II
A que seria a terceira geração da literatura do Piauí, resultante do
envelhecimento ou morte dos
participantes da geração acadêmica,
fundadora da Academia Piauiense de Letras, não possui marco nem feição,
pois foi atabalhoada pela fundação do Cenáculo Piauiense de Letras em 1927, entidade
de jovens jornalistas, que se estabeleceu como geração, prolongando-se até o
advento do Modernismo. Assim, considera-se que o Piauí teve um período de quase
vazio literário - a geração perdida - do final do anos 1930 e começo dos 1940,
porém cheio de professores e gramáticos, os quais bisextamente praticavam a poesia, a crônica e
a crítica literária.
Nomes representativos da cultura piauiense, nesse período, não podem ser
desprezados, embora tenham ficado no meio termo entre a geração do Cenáculo
Piauiense de Letras e a chegada dos reflexos do Modernismo. Clemente Fortes (1914 – 1974), um dos
fundadores da Faculdade Católica de Filosofia do Piauí; Cromwell
Barbosa de Carvalho (1883 – 1974), um dos fundadores da Faculdade de Direito do Piauí; e José Pires de Lima Rebelo (1885-1940),
natural de Barras, formado em Direito no Rio de Janeiro, depois fixando residência
em Parnaíba, onde, durante cinco lustros, dedicou-se ao magistério, sendo
glorificado com o cognome de O Preceptor da Parnaíba, não podem
ser obliterados nesta história. Lima Rabelo publicou obras didáticas, ensaios e
discursos, de cujos trabalhos a Academia Piauiense de Letras fez uma antologia,
publicando-a com o título de Lima Rebelo
– o Homem e a Substância, Teresina, s/data.
Outros intelectuais
que caracterizaram esses anos: Luiz Mendes Ribeiro Gonçalves (1895-1984),
professor, crítico literário, senador da
República nas legislaturas iniciadas em 1935 e 1947, engenheiro de renome,
diretor da Secretaria de Obras Públicas no período de
Porém muito pouco
florescia naquele tempo a escritura literária propriamente dita.
Já os gramáticos e
latinistas granjeavam reconhecimento e fama, não ocorrendo, entretanto, a
publicação dos seus trabalhos, salvo os mais ligeiros, de que a imprensa se
assenhoreava. Registrem-se as publicações tardias do Prof. Antônio Soares da
Silva (Português sem Auxílio do
Professor, 1955) e do Prof. Antônio
Veríssimo de Castro - Tonhá (Adornos
de Palavras, 1959).
Outros nomes não podem ser totalmaente esquecidos: Moura Rego (músico,
poeta e romancista), Arimathéa Tito (pai), José Vidal de Freitas, Pedro Borges, Vidal da Penha Ferreira e
Ulisses Pereira da Silva, todos poetas, e mais Souza Neto, ocupado com seus
trabalhos jurídicos, o qual deixou para escrever literatura (um romance) já no final da carreira.
É um tempo confuso e
difícil também politicamente, pois que recortado pela primeira e segunda
guerras na Europa e pela ditadura no Brasil. Martins Napoleão é, de longe, o
nome mais forte representativo no Cenáculo Piauiense de Letras e no MODERNISMO,
ultrapassando essas gerações em quantidade e qualidade. Mas na prosa
quem se sobressai é Berilo Neves,
com seus romances satíricos, especialmente contra a mulher. São dois nomes que
alcançaram o patamar nacional, em virtude talvez de morarem no Rio de Janeiro.
Uma observação a
mais: - O que até então foi definido como «geração
literária» tem pouca semelhança ou
proximidade com a proposta de Ortega y Gasset, onde predomina a biologia (indo
a distância entre uma e outra a, no máximo, 15 anos). Não obstante jogar com a
dissincronia, aqui interessam mais os princípios estéticos e o modo de escrever
dos participantes do que mesmo a idade, embora, em alguns casos, esta possa pesar também.
Foi assim que o
Piauí recebeu os reflexos da época brasileira que teve como prógonos e mentores
Rui Barbosa e Coelho Neto, onde a forma era tudo; a gramática, o livro de cabeceira de qualquer
beletrista; e a Réplica, de Rui Barbosa contra o Prof. Carneiro Ribeiro, o livro
sagrado.
No
Piauí, o mestre Higino Cunha, tal como o Prof. A. Tito Filho, depois presidente
da Academia Piauiense de Letras por mais de 20 anos, ambos jornalistas, oradores,
historiadores e sociólogos, seriam os lídimos expoentes do período, em virtude
da influência que exerceram na juventude, através de ensaios filosóficos e literários de
magnitude, da empolgante oratória e da militância na imprensa, sob cujo intelectualismo
e cerebração escondiam o sentimento e a beleza de suas emoções.
Porém,
louve-se o caso do Prof. A. Tito Filho, que, talvez por ser mais novo,
conseguiu ultrapassar as barreiras desse tempo e ingressar na modernidade, com
o grupo da revista Meridiano, como se verá mais tarde.
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